TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
367 acórdão n.º 152/20 período. Existe, assim, uma correspondência tendencial entre o tempo necessário para apresentar o pedido de declaração de insolvência e o período de garantia que justifica a coerência do regime. Aliás, no presente caso, a recorrida foi uma das requerentes da declaração de insolvência. É verdade que, para requerer o pagamento dos créditos pelo Fundo, o trabalhador terá que aguardar pela verificação de uma das situações previstas no artigo 1.º, n.º 1, do NRFGS, nomeadamente que seja proferida sentença de declaração de insolvência do empregador. No entanto, isso não condiciona a fixação do período de garantia que permanece tendo como referência a propositura da ação, que pode ser exercida por si, autonomamente. 16. Assim, neste âmbito do prazo de garantia, não estamos perante uma situação em que o titular do crédito fica sujeito ao preenchimento de requisitos que não estão nas suas mãos ou que escapam ao seu con- trolo. Nesse caso, não se trata de uma situação comparável com a analisada no Acórdão n.º 328/18, pois é possível ao credor, agindo com normal diligência, antever com suficiente segurança o comportamento que deve adotar para que o seu crédito seja coberto pelo período de garantia do Fundo – e adotá-lo, de facto, sem constrangimentos externos. Não está, assim, comprometido o princípio do Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição). Nesse domínio é necessário ter presente que o prazo de seis meses do período de garantia não é um prazo de caducidade ou prescrição relacionado com o exercício de um direito – mas sim o prazo que delimita a responsabilidade do Fundo por créditos ocorridos num período de tempo que é contado retroativamente a partir da ocorrência de um facto jurídico. Isso significa que, prima facie , não fará sentido falar neste caso em interrupção ou suspensão do prazo. De qualquer forma, não existe a invocação de qualquer facto externo que tenha impedido, dificultado ou impossibilitado a trabalhadora de propor a ação de declaração de insol- vência do empregador num momento anterior, pelo que não fará sentido explorar essa via para o presente julgamento de inconstitucionalidade. Por outro lado, na medida em que não se verifica uma situação em que o trabalhador titular do crédito fica sujeito a uma situação que foge ao seu controlo também não é possível encontrar aqui uma violação do princípio da igualdade (artigo 13.º, n.º 1, da Constituição). Não estamos perante uma situação de discrimi- nação arbitrária de trabalhadores que, colocados na mesma situação, cumprindo os mesmos pressupostos, recebem tratamento diferente pelo sistema jurídico. 17. Por fim, não pode ser esquecido que o Fundo foi criado, em parte, para concretizar o mandamento constitucional constante do n.º 3 do artigo 59.º da Constituição, dirigido ao legislador da República, para que este institua “garantias especiais” para proteger os salários. Nessa medida, configurando uma das garan- tias especiais da retribuição, o regime do Fundo tem de ser efetivo, como referido no Acórdão n.º 328/18, ponto 2.4.1., mas também terá de ser sustentável. Assim, é de aceitar que não resulta do texto constitucional a imposição de um Fundo de Garantia sem prazo, a todo o tempo. De facto, o regime desenhado pela UE e transposto nacionalmente «tem em consideração a capaci- dade financeira» dos Estados-Membros, neste caso Portugal, e «procura preservar o equilíbrio financeiro das suas instituições de garantia» (cfr. acórdãos do TJ de 28 de novembro de 2013, Gomes Viana Novo e o. , Proc. n.º C-309/12, EU:C:2013:774, n.º 29, e de 25 de julho de 2018, Guigo , Proc. n.º C338/17, EU:C:2018:605, n.º 31). É, pois, de aceitar que exista um prazo de garantia que delimite as responsabili- dades do Fundo de Garantia, desde que respeite as restantes imposições constitucionais, nomeadamente as decorrentes do princípio da proporcionalidade. Nesse contexto, um prazo que abrange os créditos laborais emergentes do contrato de trabalho ou da sua violação ou cessação que se tenham vencido nos seis meses anteriores à propositura da ação de insolvência não é desproporcionado. Para além disso, o regime em causa «pressupõe um nexo entre a insolvência e os créditos salariais em dívida» (cfr. acórdão do TJ de 25 de julho de 2018, Guigo , Proc. n.º C338/17, EU:C:2018:605, n.º 34) – o que se enquadra no dever do Estado de assegurar “garantias especiais” para proteger os salários nesse contexto
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