TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
36 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tutela jurisdicional efetiva e do processo equitativo (artigo 20.º/l e 4 da CRP), nomeadamente o princípio pro actione e o princípio da proporcionalidade na fixação legislativa de ónus e encargos processuais para as Partes. K. O direito de as Partes alegarem de facto e de direito antes da prolação da sentença final constitui um princípio estruturante do processo civil, corolário do princípio constitucional do processo equitativo. L. Ao invés do sustentado pelo Tribunal a quo, essa exigência jurídico-constitucional de efetivo contraditório impõe-se, igualmente, ao julgador nos processos de liquidação de participações sociais, e, em especial, ao meio impugnatório integrado no regime jurídico do instituto da aquisição potestativa de ações tendente ao domínio total. M. Os processos de liquidação de participações sociais não assumem a natureza de jurisdição voluntária, atenta a respetiva essência estritamente contenciosa, a qual convoca o desempenho pelo juiz de uma verdadeira e autêntica tarefa jurisdicional, para dirimir o conflito de interesses em presença. N. Qualquer entendimento filiado na tese de que o direito fundamental ao processo equitativo, na sua dimen- são de efetivo contraditório, é suscetível de sofrer uma maior compressão, legislativa ou jurisdicional, nos processos de liquidação de participações sociais, devendo sujeitar-se a soluções processuais mais restritivas, é materialmente inconstitucional, por violação do princípio do processo equitativo (artigo 20.º/4 da CRP), designadamente do princípio contraditório, entendido também como o direito de as Partes alegarem, de facto e de direito, antes da prolação da sentença final. O. A leitura constitucional do instituto do artigo 490.º do CSC, à luz do direito fundamental de propriedade, remete para o problema da proteção conferida aos sócios livres, através da definição dos critérios de apura- mento da contrapartida patrimonial. P. Se o Direito não conferir proteção suficiente ao direito dos sócios a uma contrapartida patrimonial justa, designadamente quanto aos meios processuais de o fazer valer em juízo, no quadro de um robusto direito a um processo equitativo, o instituto em apreço converte-se, na prática, numa espécie de “expropriação” para os fins privados da sociedade dominante, em gritante violação do princípio da proporcionalidade. Q. A interpretação normativa extraída do artigo 1068.º/4 do CPC, segundo a qual a tramitação do processo de liquidação de participações sociais não prevê uma fase de alegações das partes, ou, por outras palavras, segun- do a qual não há lugar a alegações de facto e de direito no processo de liquidação das participações é também inconstitucional, por ofensa ao princípio constitucional do processo equitativo (Artigo 20.º/4 da CRP), na sua dimensão da exigência da igualdade de armas.» 4.2. A recorrida concluiu a sua contra-alegação nos seguintes termos: «1.ª – A decisão recorrida não aplicou as normas dos arts. 149.º e 199.º do CPC, com o sentido invocado pelos recorrentes, de que delas resultaria que se devesse ter por sanada uma nulidade processual que tivesse sido invocada somente no recurso da sentença, quando ela apenas na sentença se revelasse. 2.ª – O acórdão recorrido não disse nada disso nem decidiu com base na aplicação expressa ou implícita de tal suposto critério normativo; o que disse, diferentemente, foi que no caso não estávamos perante uma nulidade processual que tivesse ficado coberta pela sentença, no sentido de que esta pressupusesse o ato viciado, e que, por isso, o meio próprio para a impugnar não era o recurso da sentença mas a reclamação no prazo de 10 dias. 3.ª – Por conseguinte, não deve conhecer-se do recurso nesta parte, por a interpretação normativa invocada pelos Recorrentes não ter constituído ratio decidendi do acórdão recorrido. 4.ª – Contrariamente ao que pretendem os recorrentes, não compete ao Tribunal Constitucional sindicar o entendimento do Tribunal recorrido sobre o que se deve ou não considerar para estes efeitos como nulidade coberta pela sentença, sob pena de o Tribunal Constitucional se converter efetivamente num tribunal de revisão da sen- tença – papel que os próprios Recorrentes reconhecem não lhe caber. 5.ª – Também não pode ser conhecida a segunda parte do recurso, que visa uma alegada interpretação norma- tiva do art. 1068.º, n.º 4, do CPC, segundo a qual a tramitação do processo de liquidação de participações sociais não prevê uma fase de alegações das partes.
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