TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

346 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL implica a perda irremediável de um direito, consequência essa que não se mostra justificada com base num critério de necessidade (com efeito, bastaria, a exemplo do que acontece noutros regimes processuais que tal consequência tivesse efeitos apenas no plano da extinção da instância e não já no que respeita à extinção do direito em questão). Assim, a norma do n.º 2, do artigo 12.º, do Decreto-Lei n.º 1/2013, de 7 de janeiro, na interpretação cuja aplicação foi recusada pela decisão recorrida, ao prever, como consequência para a sua inobservância a perda ime- diata e irremediável do direito de crédito que se pretendia fazer valer, viola o disposto nos n. os 1 e 4 do artigo 20.º da Constituição, na medida em que a garantia da via judiciária aí consagrada, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judi- cial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo. […]” (itálicos acrescentados). Entende a recorrente que o STJ se encontrava vinculado pela Constituição a dirigir-lhe um convite ao aperfeiçoamento das alegações de recurso, no sentido da junção da cópia do acórdão-fundamento. Sobre a existência e o sentido de tal vinculação, pode ler-se o seguinte no Acórdão n.º 642/16: “[…] O Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado na sua jurisprudência que o direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efetiva, impõe que se atribua prevalência à justiça material sobre a jus- tiça formal, evitando-se soluções que, devido à exigência de cumprimento de «requisitos processuais», conduzam a uma decisão que, bem vistas as coisas, se poderá traduzir numa verdadeira denegação de justiça. Concretamente, no que respeita a esta matéria, o Tribunal tem entendido que não existe um genérico direito à obten- ção de um despacho de aperfeiçoamento (cfr., neste sentido o Acórdão n.º 259/02) e que o convite ao aperfeiçoamento de peças processuais deficientes não significa que beneficie de tutela constitucional um genérico, irrestrito e ilimitado “direito” das partes à obtenção de um sistemático convite ao aperfeiçoamento de todas e quaisquer deficiências dos atos por elas praticados em juízo. Acresce que, como decorre também da jurisprudência do Tribunal (concretamente, dos Acórdãos n. os 259/02 e 374/00), o convite ao aperfeiçoamento tem sentido e justificação quando as deficiências em causa forem de natureza estritamente formal ou secundária, dizendo respeito à “apresentação” ou “formulação”, mas não ao conteúdo, con- cludência ou inteligibilidade da própria alegação ou motivação produzida. Assim, o convite ao aperfeiçoamento de deficiências formais não pode ser instrumentalizado pelo respetivo destinatário, de forma a permitir-lhe, de modo envie- sado, obter um novo prazo para, reformulando substancialmente a pretensão ou impugnação que optou por deduzir, obter um prazo processual adicional para alterar o objeto do pedido ou impugnação deduzida, só então cumprindo os ónus que a lei de processo justificadamente coloca a seu cargo. Por outro lado, o Tribunal também já entendeu que o convite ao aperfeiçoamento não será constitucional- mente exigível nos casos em que a deficiência formal se deva a um “erro manifestamente indesculpável do recorrente ” (cfr. Acórdão n.º 184/04). Relativamente ao regime processual dos recursos, o Tribunal Constitucional tem entendido que o legislador tem uma ampla liberdade de conformação no que respeita ao estabelecimento, em cada ramo processual, das respetivas regras, desde que tais regras não signifiquem a imposição de ónus de tal forma injustificados ou desproporcionados que acabem por importar lesão da garantia de acesso à justiça e aos tribunais (cfr., entre outros, o Acórdão n.º 299/93). […] [A] esse respeito, o Tribunal tem reiteradamente afirmado que da sua jurisprudência não pode retirar-se «uma exigência constitucional geral de convite para aperfeiçoamento, sempre que o recorrente não tenha, por exemplo, apresentado motivação, ou todos ou parte dos fundamentos possíveis da motivação (e que, portanto, o vício seja substancial, e não apenas formal). E ainda, por outro lado, que o legislador processual pode definir os requisitos adjetivos para o exercício do direito ao recurso, incluindo o cumprimento de certos ónus ou formalidades que não sejam desproporcionados e visem uma finalidade processualmente adequada, sem que tal definição viole o direito ao recurso constitucionalmente consagrado» (cfr., Acórdão n.º 140/04).

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