TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

344 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL tem um tempo de vigência demasiado curto para que se possa falar, a este respeito, de uma jurisprudência de tal modo consolidada e publicitada em termos de as partes poderem ser sancionadas com a perda irremediável de um direito tão importante como é o direito ao recurso por não terem observado essa orientação jurisprudencial, sem que lhes tenha sido dado uma específica oportunidade de suprirem essa inobservância. Neste quadro, em que o ónus imposto pela interpretação impugnada não é discernível no texto legal para os inte- ressados em recorrer, mesmo que estes cumpram os deveres de uma conduta processual diligente e observem os dita- mes de prudência técnica, a sanção do não recebimento do recurso com fundamento no incumprimento desse ónus, sem que lhes seja dada uma específica oportunidade para o cumprir, revela-se uma solução manifestamente injusta. A imposição de um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes, tendo como consequência para a sua inobservância a perda imediata e irremediável de um importante direito de defesa processual, como é o direito ao recurso, não é seguramente conforme a um fair trial. Ora, a garantia da via judiciária estatuída no artigo 20.º da Constituição, conferida a todos os cidadãos para tutela e defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos, abrange não só a atribuição do direito de ação judi- cial, mas também a garantia de que o processo, uma vez iniciado, deve seguir as regras de um processo equitativo, conforme impõe o n.º 4 do referido artigo 20.º da Constituição. A expressão constitucional um processo equitativo é premeditadamente aberta, estando dotada de uma força expansiva que lhe permite alcançar aqueles casos, como o presente, em que o incumprimento de um ónus impre- visível é sancionado com a perda definitiva de um importante direito processual, como é o direito ao recurso (vide, neste sentido, Lopes do Rego, na ob. cit. , pp. 846-849). Aliás o Tribunal Constitucional em situações semelhantes não tem deixado de intervir, recorrendo quer a este parâme- tro constitucional quer ao princípio da proteção da confiança, imanente a um Estado de direito democrático (artigo 2.º da Constituição), como ocorreu nos Acórdãos n.º 431/02 e 213/12 (acessíveis no site www.tribunalconstitucional.pt ). Por estas razões deve o recurso ser julgado procedente. […]” (itálicos acrescentados). 2.4.1. O juízo de censura decorrente do Acórdão n.º 620/13 – posteriormente reafirmado, com idêntica fundamentação, pelos Acórdãos n. os 325/14, 548/14, 588/14, 195/15 e 218/15 e pelas Decisões Sumárias n. os 564/13 e 747/13 e, ainda, em relação a ónus paralelo extraído dos artigos 687.º, n. os 1 e 4, e 754.º, n.º 2, do CPC, quanto ao agravo em segunda instância, pelo Acórdão n.º 506/14 – não pode, sem mais, ser trans- posto para a norma questionada nos presentes autos, já que, lidos os fundamentos supratranscritos, resultam evidentes diferenças relevantes entre ambos os processos. A primeira prende-se com o ónus em causa: tratava-se, no caso do Acórdão n.º 620/13, de juntar certi- dão do acórdão-fundamento; trata-se, no caso presente, de juntar simples cópia dessa decisão. A segunda diz respeito à falta de previsão legal expressa do ónus com o sentido que lhe foi dado pelo tri- bunal recorrido – isto é, com o sentido de ser necessário juntar uma certidão e não apenas cópia do acórdão- -fundamento. Não é essa a hipótese deste processo, em que a exigência do tribunal recorrido – junção de cópia – encontra correspondência no teor literal do preceito em causa. Unindo as duas hipóteses, para além da uma certa proximidade dos ónus a cargo do recorrente, está a consequência do respetivo incumprimento: a imediata rejeição do recurso, ainda assim com uma diferença: tal consequência não se encontrava expressamente prevista no artigo 721.º-A do CPC, na redação emergente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, mas encontra-se expressamente prevista no artigo 637.º, n.º 2, do CPC atual, posto em crise nos presentes autos. Certo é que uma das razões principais em que se funda o juízo de inconstitucionalidade afirmado no Acórdão n.º 620/13 – referimo-nos à existência de “[…] um ónus imprevisto, perante a letra de lei, e por isso de difícil cumprimento pelas partes” – não tem cabimento face à norma contida nos artigos 14.º, n.º 1, do CIRE e 637.º, n.º 2, do CPC. Vejamos, pois, se essas diferenças conduzem a um juízo também ele diverso.

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=