TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

343 acórdão n.º 151/20 a autenticidade do acórdão e o seu trânsito (em Recursos em Processo Civil. Novo Regime , p. 357, reimpressão de 2008, da Almedina). Contudo, a decisão recorrida, na sequência de outras proferidas recentemente pelo Supremo Tribunal de Justiça, sustentou que a necessidade de comprovar a autenticidade do acórdão-fundamento, assim como o seu trânsito em julgado, exige que o recorrente junte com o requerimento de interposição de recurso, sob pena da sua imediata rejeição, certidão, com nota de trânsito daquela decisão. Apesar de vigorar, na definição da tramitação do processo civil, uma ampla discricionariedade legislativa que permite ao legislador ordinário, por razões de conveniência, oportunidade e celeridade, fazer incidir ónus processuais sobre as partes e prever quais as cominações ou preclusões que resultam do seu incumprimento, isso não significa que as soluções adotadas sejam imunes a um controle de constitucionalidade que verifique, nomeadamente, se esses ónus são funcional- mente adequados aos fins do processo, ou se as cominações ou preclusões que decorram do seu incumprimento se revelam totalmente desproporcionadas perante a gravidade e relevância da falta, ou ainda, se de uma forma inovatória e surpreen- dente, face ao texto legal em vigor, são impostas às partes exigências formais que elas não podiam razoavelmente antecipar, sendo o desculpável incumprimento sancionado em termos irremediáveis e definitivos (vide, neste sentido, Lopes do Rego, em “Os princípios constitucionais da proibição da indefesa, da proporcionalidade, dos ónus e cominações e o regime da citação em processo civil”, em Estudos em homenagem ao Conselheiro José Manuel Cardoso da Costa , pp. 839 e seguintes). A exigência que o recorrente, neste tipo de recursos, juntamente com o requerimento de interposição, não se limite a juntar uma cópia do acórdão-fundamento, devendo antes apresentar uma certidão judicial que ateste a existência, o teor e o trânsito daquela decisão, não deixa de revelar-se funcionalmente adequada aos fins do recurso, não sendo uma exigência arbitrariamente imposta, sem qualquer sentido útil para a tramitação processual. Na verdade, visando este tipo de recursos a uniformização da jurisprudência, através da prolação de uma decisão que solucione uma contradição entre a fundamentação jurídica de decisões proferidas por tribunais superiores em pro- cessos distintos, é necessário assegurar-se a existência, o conteúdo e o trânsito em julgado da decisão-fundamento. E se, algumas vezes, a localização do processo onde foi proferida essa decisão e a obtenção da pretendida certidão pode colocar alguns problemas, não é possível afirmar que a imposição desse ónus à parte recorrente dificulte de modo excessivo ou intolerável a sua atuação procedimental com vista à utilização do direito ao recurso nestas situações, até porque essa exigência não é incompatível com o deferimento de um pedido do recorrente no sentido do tribunal de recurso lhe conceder um prazo suplementar que lhe permita superar os obstáculos surgidos (vide, sustentando essa possibilidade, Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, em Código de Processo Civil anotado , vol. 3.º, Tomo I, p. 156, da 2.ª edição, da Coimbra Editora), ou que colabore na ultrapassagem desses escolhos. É certo que a solução de exigir da parte do recorrente a obtenção e apresentação de elementos que o tribunal de recurso poderá obter com maior facilidade, uma vez que respeitam a decisões judiciais, inclusive de decisões que podem ter sido proferidas por esse mesmo tribunal (quando a contradição ocorre relativamente a uma decisão do Supremo Tribunal de Justiça), não é seguramente necessária para a obtenção dos elementos necessários à decisão do recurso, como também não se revela a menos onerosa para as partes, mas isso não é suficiente para a excluir da área de conformação do legislador ordinário. O problema de constitucionalidade da norma sob fiscalização reside sobretudo na consequência estabelecida para a inobservância de um requisito formal que não se encontra expressamente previsto no texto legal. Enquanto a letra do artigo 721.º-A, n.º 2, alínea c), do Código de Processo Civil, exige a mera junção de cópia do acórdão fundamento, a interpretação efetuada pela decisão recorrida, impõe que o recorrente junte certidão com nota de trânsito daquele acórdão, sob pena de, irremediavelmente, o recurso não ser admitido. A exigência de uma certidão não se compreende nos sentidos possíveis do termo “cópia”, não sendo possível retirar da necessidade do acórdão-fundamento ter transitado em julgado, a obrigatoriedade do recorrente juntar logo com o requerimento de interposição de recurso a prova documental desse trân- sito. E o facto de já existirem anteriores decisões do Supremo Tribunal de Justiça sufragando o mesmo entendimento não é suficiente para se poder concluir que exista uma jurisprudência suficientemente sedimentada para que as partes, num juízo de razoabilidade, devessem contar com ela. Na verdade, a reforma operada, ao nível dos recursos, que introduziu o recurso de revista excecional, apenas foi aplicada aos processos entrados em juízo após 1 de janeiro de 2008, pelo que

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