TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
335 acórdão n.º 151/20 O que se pode por isso esperar quando, havendo um preceito que obriga a parte ao cumprimento de um ónus de facílima execução, ela, mesmo assim, não o cumpre, apesar de ser perfeitamente discernível a severa consequên- cia processual decorrente dessa omissão? A jurisprudência do STJ, ao contrário também do que a recorrente afirma, tem sido bem assertiva nesta matéria. Dois exemplos, cujos sumários se transcrevem: ‘I – Perante a regra da inadmissibilidade do recurso para o STJ nas ações de insolvência, prevista no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, a parte que pretenda recorrer, tem logo de demonstrar a existência de um acórdão de um tribunal da Relação ou do STJ, em que haja sido decidido de forma oposta a mesma questão funda- mental de direito. II – Caso a parte não alegue e comprove logo a existência desse acórdão fundamento, deve o Desembargador Relator, ao abrigo do disposto no art. 641.º, n. os 1 e 5, do CPC, rejeitar o recurso. III – Admitido o recurso na Relação, não tem o Conselheiro Relator de, antes de indeferir a revista, convidar os recorrentes a suprir a falta de apresentação do referido acórdão.’ – Ac. STJ de 25.05.2017 (Conse- lheiro João Camilo). ‘Deve ser indeferido o recurso para o STJ ao abrigo do disposto no art. 14.º, n.º 1, do CIRE, se o recor- rente não demonstra a invocada oposição de acórdãos, porque não junta cópia de algum deles.’ – Ac. STJ de 26.09.2017 (Conselheiro Salreta Pereira) O que acabámos de dizer afasta em absoluto a possibilidade de a falta cometida poder ser suprida mediante convite ao aperfeiçoamento. Esse convite ocorre, como bem diz a reclamante, quando se verifique a insuficiência, obscuridade ou prolixidade das conclusões de recurso. Só que aquilo que a reclamante se esqueceu de dizer é que, nesses casos, é a própria lei que obriga ao convite, conforme disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC. Ora, a forma clara como está redigida a norma do artigo 637.º, n.º 2, do CPC dissipa quaisquer dúvidas quanto à (in)exigibilidade do convite ao aperfeiçoamento: “(…) o recorrente junta obrigatoriamente, sob pena de imediata rejeição, cópia, ainda que não certificada, do acórdão fundamento”. Importa, por outro lado, salientar que o princípio da cooperação, consagrado no artigo 7.º do CPC, não pode significar que se transfiram para o tribunal os ónus processuais que incumbem às partes, sob pena de se subverter a raiz estruturante do processo civil. Finalmente, quanto à suposta violação do artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, diremos, brevemente, o seguinte. O artigo 20.º da Constituição garante a todos o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legítimos (n.º 1), impondo ainda que esse direito se efetive através de um processo equitativo (n.º 4). É nesta última dimensão que se enquadra a questão da inconstitucionalidade invocada, porquanto o caso reporta-se a uma situação em que é imposto um ónus processual à parte recorrente e em que a lei prevê uma deter- minada cominação ou consequência processual para o incumprimento de tal ónus. Diz-se no Acórdão do TC n.º 462/16, de 14 de julho: “Ora, a respeito das exigências decorrentes da garantia constitucional de acesso ao direito e à justiça, quando estejam em causa normas que impõem ónus processuais, o Tribunal tem afirmado que tal garantia não afasta a liberdade de conformação do legislador na concreta estruturação do processo, não sendo incompatível com a imposição de ónus processuais às partes (cfr., neste sentido, entre outros, por exemplo, os Acórdãos n. os 122/02 e 46/05). No entanto, com também tem sido salientado pelo Tribunal, a ampla liberdade do legislador no que res- peita ao estabelecimento de ónus que incidem sobre as partes e à definição das cominações e preclusões que resultam do seu incumprimento está sujeita a limites, uma vez que os regimes processuais em causa não podem revelar-se funcionalmente inadequados aos fins do processo (isto é, traduzindo-se numa exigência puramente
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