TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
327 acórdão n.º 150/20 10. O objetivo específico face ao qual se concretiza o teste da proporcionalidade é a proteção do bem jurídico saúde. A norma do n.º 2 do referido artigo 15.º, ao exigir que os vendedores de produtos do tabaco, de forma visível e desta- cada, afixem no ponto de venda um aviso de proibição da venda de tabaco a menores e, em caso de dúvida solicitem aos compradores que comprovem, pelos meios apropriados, que já atingiram a idade de 18 anos, não pode deixar de visar proteger a saúde desses jovens. A proteção do bem jurídico saúde está constitucionalmente consagrada a vários títulos: o direito à proteção da saúde e o dever de a defender e promover – artigo 64.º; o direito dos consumidores à proteção da saúde – artigo 60.º, n.º 1; o direito dos trabalhadores à prestação do trabalho em condições de higiene, segurança e saúde” – artigo 59.º, n.º 1, alínea c) , da Lei Fundamental. Não obstante a inserção do direito à proteção da saúde no âmbito dos direitos económicos, sociais e culturais, tem-se realçado o seu desdobramento numa vertente positiva – direito a prestações do Estado – e numa vertente negativa – direito subjetivo a que o Estado e terceiros se abstenham de prejudicar o bem jurídico “saúde”. Neste sentido, em anotação ao artigo 64.º da Constituição, referem Gomes Canotilho e Vital Moreira que: “Tal como muitos outros «direitos económicos, sociais e culturais», também o direito à proteção da saúde comporta duas vertentes: uma, de natureza negativa, que consiste no direito a exigir do Estado (ou de terceiros) que se abstenham de qualquer ato que prejudique a saúde; outra, de natureza positiva, que significa o direito às medidas e prestações estaduais visando a prevenção das doenças e o tratamento delas. No primeiro caso, está-se no domínio dos direitos de defesa tradicionais, compartilhando das correspondentes características e regime jurídico; no segundo caso, trata-se de um direito social propriamente dito, revestindo a correspondente configuração constitucional.” (in Constituição da República Portuguesa Anotada ”, 4.ª edição, Volume I, Coimbra, 2007, p. 825). A vertente negativa do direito à proteção da saúde interliga-se assim com outros princípios e direitos funda- mentais, tais como o princípio da dignidade da pessoa humana, o direito à vida e o direito à integridade pessoal (neste sentido, Rui Medeiros, in Jorge Miranda/Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , Tomo I, p. 653). Admitindo-se esta conexão, pode considerar-se que o bem jurídico protegido pelas normas do artigo 15.º n.º 2, e 30.º n.º 1, alínea e) da Lei n.º 37/2007, de 14 de agosto «situa-se numa zona de sobreposição do direito à saúde com o direito à integridade física» (Acórdão n.º 423/08). De resto, foi o que o Estado Português reconheceu quando aderiu à Convenção Quadro da Organização Mundial de Saúde para o Controlo do Tabaco, adotada em Genebra em 21 de maio de 2003, onde, de forma inequívoca, se considerou estar cientificamente comprovado que a exposição ao fumo do tabaco “provoca doenças, incapacidades e morte” (artigo 8.º da referida Convenção Quadro, o qual vigora na ordem jurídica portuguesa, por força do n.º 2 do artigo 8.º da CRP). Daqui decorre que as partes contratantes dessa Convenção Quadro – incluindo Portugal – reconhecem que o tabaco é causa direta de doenças, incapacidade e morte, pelo que o bem jurídico protegido pelas normas que visam evitar os malefícios do tabaco não pode deixar de ser, para além da saúde, também a integridade física das pessoas. 11. Tendo em vista o objetivo da proteção da saúde e integridade física dos menores, não se afigura, desde logo, inade- quado sancionar a pessoa coletiva com uma coima pela omissão do dever de afixar no local de venda o aviso de proibição de venda a menores. Independentemente do seu montante, não se poderá ajuizar em abstrato que não seja um meio capaz de alcançar aqueles objetivos. Pelo contrário, quanto maior for o quantum de coima maior será a eficácia na proteção dos bens jurídicos por ela visados. De igual modo, não se levanta qualquer questão da necessidade da coima para atingir aqueles fins. Como o juízo de indispensabilidade implica uma ponderação de soluções alternativas, mas não impõe necessariamente uma delas, será difícil sustentar que uma coima de menor montante, além de menos lesiva, tem eficácia em medida idêntica a outra de maior montante. O facto de se concluir que determinada sanção contraordenacional teria sido menos onerosa do que a prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 25.º (coima) e n.º 2 do artigo 26.º da Lei n.º 37/2007 (sanção acessória) não exclui a possibilidade da existência de outras ainda porventura mais apropriadas. Ora, reconhecendo-se ao legislador uma ampla margem de liberdade quanto aos montantes das coimas a aplicar, não é evidente que a sanção prevista naqueles preceitos não seja necessária para obter os fins que se propõe realizar ou que existem outras com o mesmo grau de eficácia que se mostrem menos lesivas.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=