TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

314 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL o mesmo é dizer, o levantamento do obstáculo jurídico (que já vimos não ser arbitrário) dá origem a uma relação com o obrigado tributário distinta da que intercede com a generalidade dos administrados, no quadro da qual a entidade emitente assume uma particular obrigação – a duradoura obrigação de suportar ( pati ) uma atividade que, embora respeitando aqueles deveres, interfere permanentemente com a conformação de um bem público. Com o licenciamento, alteram-se as posições jurídicas recíprocas de administração e administrado, ficando aquela onerada, enquanto a situação persistir, com uma obrigação até aí inexistente. Inversamente, o anunciante ganha título para uma ativa e particular fruição, em termos comunicacionais, do espaço ambiental, necessária à realização da utilidade individual procurada, a qual não se confunde com o gozo passivo desse espaço, ao alcance da genera- lidade dos cidadãos (cfr., todavia, o Acórdão n.º 437/03). Em exclusivo proveito próprio, um sujeito privado – o anunciante – introduz, através da atividade publicitária, mudanças qualitativas na perceção e no gozo do espaço público por parte de todos os que nele se movem, “moldando-o”, em função do seu interesse. A constituição da obrigação passiva de se conformar com essa influência modeladora é justamente a contrapartida específica que dá causa ao pagamento da taxa, estruturando, em termos bilaterais, a relação estabelecida com o obrigado tributário. Findo o prazo para o qual tinha sido concedida a remoção da proibição do exercício da atividade publicitária, torna-se necessário proceder à reavaliação da situação, do ponto de vista da permanência das condições legais de licenciamento, o que justifica a cobrança de uma nova prestação tributária. Essa reavaliação é um pressuposto da continuidade da fruição, por um novo período, das utilidades propiciadas por tal atividade, no que o particular se mostra interessado. Não faz sentido, atenta essa relação causal, distinguir o licenciamento da sua renovação, ou a contrapartida devida pelo período inicial das que são exigíveis pelos períodos de renovação da licença. Assim como, noutra dimensão problemática, não há razões para considerar a taxa de publicidade consumida por anteriores quantias devidas para a realização de outros trâmites de que eventualmente depende a utilização de edifícios privados para fins publicitários. Já defendida na doutrina (cfr. P. Pitta e Cunha/J. Xavier de Basto/A. Lobo Xavier, “Os conceitos de taxa e imposto a propósito de licenças municipais”, Fisco, ano 5 (1993), pp.3 e seguintes, 6 e 7), esta tese ignora a especificidade da contrapartida outorgada ao anunciante, inconfundível com qualquer outra e autónoma em relação a causas de prestação com ela eventualmente cumuláveis». Aplicando as considerações expendidas ao critério normativo em apreciação nestes autos, que deixa assente a natureza jurídica do tributo em causa como taxa e não imposto, conclui-se pela improcedência das razões aduzidas pela recorrente. Relativamente à invocação de que a mais recente jurisprudência deste Tribunal, firmada nos Acór- dãos n. os 33/18, 379/18 e 848/17, operaram uma inversão da jurisprudência assente no citado Acórdão n.º 177/10, é pertinente atentar ao que se afirmou na Decisão Sumária n.º 695/19, seguida de perto pela Decisão Sumária n.º 892/19, proferida no âmbito de processo desta 1.ª Secção, a qual demonstrou que os arestos citados pela recorrente não inverteram a posição assumida por este Tribunal no Acórdão n.º 177/10, não sendo, pois, as conclusões dessa apelidada jurisprudência recente transponíveis para a apreciação do critério normativo que configura objeto do presente recurso. Transcrevem-se os excertos da referida Decisão Sumária que sustentam esta posição: «Em primeiro lugar, a recorrente invoca o Acórdão n.º 379/18 para afirmar que «o teste da bilateralidade, que usualmente é mobilizado para aferir a existência de taxas no ordenamento jurídico português, não admite o recurso a ficções» (cfr. fl. 122-verso). Entende a recorrente que a «legalidade», das taxas cobradas pela emissão e renovação de licenças de publicidade, «resultaria apenas de uma sua suposta projeção visual sobre o espaço municipal, acom- panhada de uma presumida fiscalização municipal» ( ibidem ) – pelo que a prestação administrativa que justifica a cobrança do tributo seria ficcionada, devendo motivar um juízo análogo ao que no Acórdão n.º 379/18 baseou a decisão deste Tribunal. Este Acórdão, no entanto (tal como os Acórdãos n.ºs  33/18 e 181/19), versou sobre taxas configuradas de modo a incidir, autonomamente, sobre diversas componentes de unidades de abastecimento de combustíveis líqui- dos, tendo-se considerado que:

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