TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
305 acórdão n.º 136/20 II – Fundamentação 6. A reclamação em apreço não se afigura capaz de abalar o sentido decisório acolhido na Decisão Sumária n.º 778/19 nem a fundamentação em que ele se baseou. Nessa Decisão Sumária – recorde-se –, considerou-se que a jurisprudência já prolatada por este Tribunal sobre normas extraíveis do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE – e no sentido da sua não inconstitucionalidade –, se aplicava à questão em apreço nos pre- sentes autos de modo praticamente direto, pelo que tal questão se apresentava como «simples» e justificava, assim, a utilização do poder-dever previsto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. Os reclamantes afirmam que nenhum dos Acórdãos referidos na Decisão Sumária «abordou a questão, colocada à apreciação deste Tribunal, da necessidade de prova do nexo de causalidade entre a atuação do administrador e a criação ou o agravamento da insolvência». Contudo, toda a argumentação que apresen- tam (pontos 5 a 45 da reclamação agora em apreço) se traduz em rebater os argumentos com base nos quais aqueles mesmos Acórdãos concluíram pela não inconstitucionalidade – i. e. , argumentos já ponderados no âmbito desses Acórdãos. Sucede que nenhuma das duas linhas de argumentação se afigura procedente. Por um lado, os Acórdãos indicados na Decisão Sumária reclamada debruçaram-se de facto sobre a natureza inilidível da presunção prevista no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, como ali se expôs já abundan- temente. O único ponto para que importa agora chamar a atenção é o de que, no âmbito do artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, diversamente do que os reclamantes pretendem, a questão da “culpa” e a questão do “nexo de causalidade” não são – pelo menos, nos termos em que as mesmas surgem colocadas nos presentes autos – verdadeiramente dicotómicas. Os pontos essenciais da jurisprudência constitucional invocada na Decisão Sumária n.º 778/19 aplicam-se a ambas as questões. Pois se da verificação de uma das condutas descritas se presume a “culpa”, a fortiori está a presumir-se a causalidade. Serve isto para firmar a aplicabilidade daquela jurisprudência às questões dos reclamantes. Por outro lado, os argumentos utilizados pelos reclamantes não são capazes de abalar o mérito da fun- damentação expressa em tais Acórdãos. Os recorrentes salientam, logo no ponto 5 da sua reclamação, que, segundo a interpretação acolhida pelo tribunal recorrido, «provados os factos índice, não é possível aos administradores do insolvente provar que agiram sem culpa». E acrescentam, no ponto 6: «Aliás, a interpre- tação que é feita pelo Acórdão do Tribunal Constitucional ora em apreço permite que se retire consequências ainda mais gravosas: caso a mesma fosse adotada, ainda que constasse dos factos provados que, apesar de ter praticado um dos factos previstos nas alíneas a) a i) , o administrador o fez sem culpa, isso não poderia ser tido em consideração pelo Tribunal». Este, porém, não é senão o conceito de presunção inilidível. Foi sobre ele que o Tribunal Constitucional se pronunciou nos Acórdãos mobilizados na Decisão Sumária reclamada. Convincentes não são igualmente os exemplos usados pelos recorrentes para ilustrarem o seu ponto de vista: «O art. 186.º n.º 2 do CIRE, interpretado da forma que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em apreciação daria azo a que se pudesse, por absurdo, responsabilizar pelas dívidas da sociedade: o administrador que, por sofrer de tonturas, se desequilibra e deixa cair peça de cerâmica rara que constitui um dos mais valiosos bens da insolvente, partindo-a [alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE]; o adminis- trador que não cumpre os seus deveres de apresentação de documentação relevante em virtude de os mesmos terem desaparecido em incêndio que assolou a sede da empresa insolvente [alínea i) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE]». Evidentemente, tais exemplos não se identificam com os que estavam em questão nos presentes autos nem se afiguram subsumíveis na hipótese das normas indicadas. Tais exemplos nada acrescentam à questão de saber se padece de inconstitucionalidade a classificação inilidível da insolvência como culposa a partir de uma conduta do administrador, porque tais exemplos – um desequilíbrio involuntário do adminis- trador, um incêndio que assola a sede da empresa – não chegam realmente a configurar-se, logo à partida, como “condutas” do administrador. A parte restante da reclamação traduz-se essencialmente em negar pontos já ponderados e avaliados nos Acórdãos referidos na Decisão Sumária reclamada, nomeadamente a questão de saber se uma norma como o artigo 186.º, n.º 2, do CIRE se afigura desproporcional aos objetivos que almeja para o domínio social e
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