TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

304 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL inconstitucionalidade imputadas diretamente a decisões judiciais, em si mesmas consideradas. A distinção entre os casos em que a inconstitucionalidade é imputada a interpretação normativa daqueles em que é impu- tada diretamente a decisão judicial radica em que na primeira hipótese é discernível na decisão recorrida a adoção de um critério normativo, ao qual depois se subsume o caso concreto em apreço, com caráter de gene- ralidade, e, por isso, suscetível de aplicação a outras situações, enquanto na segunda hipótese está em causa a aplicação dos critérios normativos tidos por relevantes às particularidades do caso concreto.” 68. Ora, foi precisamente o que se passou no caso em apreço: os Reclamantes, no seu requerimento de inter- posição de recurso para o Tribunal Constitucional, não puseram em causa a decisão recorrida em si mesma, impu- tando-lhe a violação de qualquer princípio constitucional. 69. Nem contestaram a forma como foi feita a subsunção dos factos dados como provados ao Direito. 70. Limitaram-se a alegar que a interpretação dada pelo Supremo Tribunal de Justiça ao art. 655.º, n.º 2 do CPC (em conjugação com o artigo 654.º n.º 2 do mesmo Código, para o qual remete) é inconstitucional. 71. É o que resulta do que já supra se deixou transcrito e que, por mera comodidade de exposição, se volta a repetir: “2. No referido Acórdão, o artigo 655.º n.º 2 do CPC (em conjugação com o artigo 654.º, n.º 2 do mesmo Código, para o qual remete), foi interpretado em sentido que os Recorrentes reputam de inconstitucional. 3. O Supremo Tribunal de Justiça interpretou o mencionado artigo 655.º do CPC no sentido de que, quando o recorrido suscite, nas suas contra-alegações, a questão da inadmissibilidade da Revista por inexis- tência dos respetivos pressupostos (nomeadamente por se verificar a dupla conformidade), o Tribunal pode decidir, desde logo, que não deve conhecer do objeto do recurso, sem notificar expressamente o recorrente para se pronunciar sobre a questão da inadmissibilidade do recurso.” 72. Sendo evidente que a interpretação normativa cuja apreciação foi pedida ao Tribunal tem um caráter geral e abstrato, sendo aplicável a outras situações para além daquela que está em causa nos presentes autos. 73. Como tal, deveria ter sido admitido o presente recurso. 74. Aliás, a prova de que o Tribunal Constitucional pode sindicar interpretações normativas e não apenas normas é o facto de a maioria das normas que têm vindo a ser declaradas inconstitucionais o serem apenas quando interpretadas num determinado sentido. 75. Veja-se, a título de exemplo, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 661/19, no qual se decidiu: “Julgar inconstitucional a norma constante do n.º 3 do artigo 33.º da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de abril, com o sentido de que “[d]a decisão proferida cabe recurso em um grau se o valor da nota exceder 50 UC”, por violação do princípio da competência reservada da Assembleia da República em matéria de direitos, liber- dades e garantias, constante do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , em conjugação com o artigo 20.º, n.º 1, da CRP”. 76. Por tudo, pois, é fora de dúvida que o Tribunal Constitucional pode sindicar interpretações normativas como aquela que os Reclamantes colocaram à sua apreciação. 77. Razão pela qual não se verifica o segundo dos fundamentos que determinaram o não conhecimento do recurso.» 5. Decorrido o prazo, a recorrida não respondeu (cfr. a fl. 782 dos autos). Cumpre apreciar e decidir.

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