TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
300 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir caráter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo, nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.” 31. Ora, o direito do administrador de uma empresa insolvente a invocar todos os factos e razões de direito que possam ser relevantes para a defesa da sua posição e o direito à igualdade de armas e de posições no processo constitui um direito expressamente previsto na Constituição (cfr. art. 20.º da Constituição). 32. Sendo certo que a outra parte no processo em causa – o credor – invoca um direito que, sendo legítimo, não é protegido constitucionalmente em sede de direitos, liberdades e garantias. 33. Sendo, pois, credor de menor proteção jurídica. 34. Trata-se de um direito patrimonial a ser ressarcido, não apenas pelo património do devedor, como também pelo património do administrador da empresa cuja insolvência haja sido qualificada como culposa. 35. Devendo o direito à proibição da indefesa do administrador prevalecer sobre este direito patrimonial. 36. Neste particular leia-se o Acórdão do STJ de 13-03-1997 in www.dgsi.pt (Proc. n.º 96B557): “II – Em caso de conflito entre os “direitos, liberdades e garantias”, não sujeitos a reserva da lei restritiva, com outros direitos fundamentais (direitos económicos, sociais e culturais, v. g. ) devem prevalecer os primeiros. III – No campo da lei ordinária, há um texto atinente à colisão de direitos – o artigo 335 do Código Civil – , que, apesar de anterior à Constituição de 1976, se mantém em vigor, tendo em vista o disposto no artigo 293 desta Constituição. IV – Na interpretação do artigo 335 do Código Civil a propósito da colisão entre um direito de perso- nalidade e um outro direito que não de personalidade, devem prevalecer, em princípio, os bens ou valores pessoais aos bens ou valores patrimoniais. V – Para que exista responsabilidade civil por facto ilícito é necessário que se verifiquem, além do mais, os pressupostos relativos à ilicitude e à culpa.” 37. Veja-se ainda o que, a este propósito, refere Cristina Maria de Gouveia Caldeira na sua tese de Doutora- mento, com o título “Liberdade de Educação e Direito à Educação: Perspetivas Constitucionais e Políticas, acessível por intermédio do link http://repositorio.ual.pt/bitstream/11144/263/1/Tese%20Doutoramento%20%20Liberdade%20 de%20Educa%C3%A7%C3%A3o%20e%20Direito%20%C3%A0%20Educa%C3%A7%C3%A3o.pdf: “Jorge Miranda propõe que os direitos fundamentais absolutos ocupem uma posição cimeira tanto do ponto de vista dos direitos fundamentais como da respetiva conexão com a dignidade da pessoa humana, seguindo-se depois, as outras possíveis categorias que constam com regras progressivamente menos protetoras: (1) direitos fundamentais absolutos; (2) direitos de liberdade e garantias do Título II da Parte I da CRP; (3) direitos fundamentais de natureza análoga dispersos por outras disposições da CRP; (4) direitos constitucio- nais dos trabalhadores que não sejam direitos, liberdades e garantias; (5) outros direitos económicos, sociais e culturais consignados na CRP; (6) os direitos fundamentais de natureza análoga constantes de leis e de regras internacionais”. 38. Pelo exposto, afigura-se-nos que o direito a um processo equitativo conferido no art. 20.º da Constituição, não deve ser cerceado de tal modo que impeça ao administrador de sociedade insolvente a alegação e prova de factos tendentes a demonstrar que não agiu com culpa. 39. Porém, para o caso de se entender que o seu direito pode ser (fortemente, diga-se) cerceado com essa limi- tação, não deverá ser ainda mais limitado através da presunção inilidível de que se verificou o nexo de causalidade entre a sua atuação e a criação ou agravação do estado de insolvência. 40. Como se deixou escrito, sempre que um direito conflitue com outro direito ou bens constitucionalmente protegidos, esse conflito deve ser resolvido através da recíproca e proporcional limitação de ambos.
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