TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
298 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 15. Não se entendendo a razão pela qual o interesse do credor se deverá sobrepor, desta forma, ao de um admi- nistrador que atuou sem culpa. 16. Nem se compreendendo a alusão, feita no acórdão em apreço, à “(...) vantagem de evitar a subjetividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico”. 17. Sendo a Justiça administrada por seres humanos, essa subjetividade é inevitável, quer se presuma ou não a culpa do administrador. 18. No que diz respeito “...às dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência (…)”, não cremos que possa justificar o tratamento desigual e violador do princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20 .º da Constituição. 19. Aliás, a forma como foi estruturado o processo de insolvência (cfr. arts 24.º, 31.º, 36.º, etc do CIRE) e a atuação do administrador de insolvência (cfr. art. 52.º e ss do CIRE) são de molde a facilitar o apuramento desses circunstancialismos. 20. Com relevo para a questão em apreciação, pode citar-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 331/19 (…): “Por seu turno, deve este direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, sobretudo na vertente do direito de ação, ser efetivado mediante um processo equitativo, que reclama, também nas palavras de. J.J. Gomes Canotilho/Vital Moreira (cfr. ob. cit. , p. 415): «(1) direito à igualdade de armas ou direito à igualdade de posições no processo(…); (2) o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas.” 21. E a verdade é que a negação da possibilidade de o administrador da sociedade insolvente alegar e provar factos demonstrativos da ausência de culpa, aliada, ainda para mais, à negação da possibilidade de alegação e prova de factos demonstrativos de que a sua atuação em nada contribuiu para a criação ou agravação da situação de insolvência (nexo de causalidade) afeta de forma intolerável o seu direito à igualdade de armas ou igualdade de posições no processo. 22. Consta ainda do referido Acórdão n.º 331/19 que: “Da estrutura complexa que detém o princípio do processo equitativo, consagrado no artigo 20.º da Cons- tituição, decorrem, para o legislador ordinário, para além da obrigação que se cifra em não lesar o princípio da ‘proibição da indefesa’, a obrigação de conformar o processo de modo tal que através dele se possa efetivamente exercer o direito a uma solução jurídica dos conflitos, obtida em tempo razoável e com todas as garantias de imparcialidade e independência, existindo à partida, entre os valores da ‘proibição da indefesa’ e do contra- ditório e os princípios da celeridade processual, da segurança e da paz jurídica, uma relação de equivalência constitucional, devendo o legislador optar por soluções de concordância prática, de tal modo que das suas escolhas não resulte o sacrifício unilateral de nenhum dos valores em conflito, em beneficio exclusivo de outro ou de outros.” 23. Acresce que, ao contrário do que consta do mencionado Acórdão 570/08, a restrição aos direitos de defesa dos Administradores de sociedades insolventes não se revela adequada, necessária e razoável para atingir os obje- tivos acima apontados: evitar a subjetividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico e as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência. 24. Em primeiro lugar, a impossibilidade de alegação e prova da ausência de culpa e do nexo de causalidade não é adequada a evitar a subjetividade inerente a um juízo ético-jurídico. 25. Por muito que se restrinja desta forma os direitos dos administradores, essa subjetividade nunca irá desapa- recer do julgamento (desde logo no apuramento e integração dos factos índice previstos no art. 186.º do CIRE).
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