TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

297 acórdão n.º 136/20 6. Aliás, a interpretação que é feita pelo Acórdão do Tribunal Constitucional ora em apreço permite que se retire consequências ainda mais gravosas: caso a mesma fosse adotada, ainda que constasse dos factos provados que, apesar de ter praticado um dos factos previstos nas alíneas a) a i) , o administrador o fez sem culpa, isso não poderia ser tido em consideração pelo Tribunal. 7. O que, convenhamos, não faz qualquer sentido e constitui uma injustificada limitação dos direitos do administrador. 8. A este propósito, veja-se o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 276/04 (…): “De facto, como acontece no presente caso, não é aceitável concluir que uma norma como a do n.º 1 do artigo 152.º do Código da Estrada, que estabelece a possibilidade de a responsabilidade contraordenacional, em determinadas circunstâncias, ser atribuída ao proprietário ou possuidor de um veículo, possa ser interpre- tada no sentido de abranger situações em que está provado nos autos não só que o arguido, à data da infração, já não era proprietário ou possuidor do veículo – embora o seu nome constasse ainda do registo -, mas também que foi um terceiro, devidamente identificado, o infrator. Interpretar o mencionado artigo 152.º, n.º 1, em termos de considerar responsável quem não é proprietário ou possuidor, apenas porque como tal consta do registo, quando está provado, ainda, que não foi esse o infrator, mas sim outro, devidamente identificado, é imputar a tal normativo um sentido desrazoável – um sentido que o intérprete só extrai, se desrespeitar, na interpretação, o dever de presumir que “o legislador consagrou as soluções mais acertadas” (cfr. artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil). Ora, como a norma em causa não comporta a interpretação feita pela decisão recorrida, no sentido de que está consagrada a responsabilidade contraordenacional de quem, não sendo nem proprietário nem possuidor do veículo, ainda conste no registo como tal, quando resulte provado nos autos que foi um terceiro, devida- mente identificado, o responsável pela contraordenação em causa, mas admite a interpretação de que o que está em causa é uma mera presunção, sempre ilidível, de responsabilidade do efetivo proprietário ou possuidor, e este sentido é conforme à Constituição, já o n.º 1 do artigo 152.º do Código da Estrada, não viola o princípio da culpa.” 9. Não podemos esquecer que, caso se considere que a norma pode ser interpretada no sentido de que não se admite prova da inexistência de culpa ou do nexo causalidade, isso implica restrições gravosas e desproporcionadas dos direitos dos administradores. 10. Note-se que, entre outras medidas extremamente gravosas, caso a insolvência seja considerada culposa, os administradores são condenados a indemnizar os credores do insolvente (art. 189.º, n.º 2, alínea e) do CIRE). 11. Sendo completamente injustificado que o interesse do credor se sobreponha de tal maneira ao do adminis- trador que não lhe seja conferida a possibilidade de provar que agiu sem culpa ou que em nada contribuiu para a criação ou a agravação da situação de insolvência. 12. Consta do acórdão ora em apreço que: “São tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indiscutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência.” 13. Salvo o devido respeito, não podemos deixar de discordar. 14. O art. 186.º n.º 2 do CIRE, interpretado da forma que consta do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em apreciação daria azo a que se pudesse, por absurdo, responsabilizar pelas dívidas da sociedade: – o administrador que, por sofrer de tonturas, se desequilibra e deixa cair peça de cerâmica rara que constitui um dos mais valiosos bens da insolvente, partindo-a [alínea a) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE]. – o administrador que não cumpre os seus deveres de apresentação de documentação relevante em virtude de os mesmos terem desaparecido em incêndio que assolou a sede da empresa insolvente [alínea i) do n.º 2 do art. 186.º do CIRE].

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