TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

295 acórdão n.º 136/20 padrões de exigência qualificada, por forma a darem a sua contribuição (quase sempre indispensável, na fase inicial) para o normal desenrolar dos processos de resolução normativamente previstos e para minorar ou não agravar a afetação daqueles interesses. O incumprimento desse dever expõe-se a um juízo de intenso desvalor, tanto mais que a norma só é aplicável em caso de reiteração dessa conduta, sendo que a recusa de prestação de informações ou de colaboração que não revista forma reiterada “é livremente apreciada pelo juiz, nomea- damente para efeito da qualificação da insolvência como culposa”, nos termos do artigo 83.º, n.º 3, do CIRE. Ao adotar uma conduta reticente e obstativa do acesso a dados relevantes, o administrador, além do mais, descredibiliza-se para o exercício da função, pois pratica atos que desmerecem da confiança que o exercício do comércio postula. Uma sanção de natureza pessoal, como a inibição cominada no artigo 189.º, n.º 2, alínea c) , incidente no próprio âmbito profissional em que se deu a falta de cumprimento, de caráter, para mais, temporário e de duração a fixar concretamente pelo juiz, dentro de uma moldura suficientemente ampla, não se revela desproporcionada, como reação normativa ao incumprimento reiterado dos deveres de apresentação e de colaboração, atentos o seu relevo e significado no contexto do processo de insolvência. A sanção prevista na alínea d) do mencionado preceito reveste direta natureza patrimonial. Mas é de aplica- ção eventual, pois pressupõe a ocorrência das circunstâncias que lhe dão objeto. Verificadas essas circunstâncias, é de lhe atribuir, porém, grande eficácia preventiva, representando uma forte e adequada instigação ao cumpri- mento, sendo certo que, como sanção pecuniária civil, corresponde apropriadamente à natureza dos interesses potencialmente afetados (pelo menos em termos de perigo abstrato).» 8.3. Como se verifica, a cuidada fundamentação apresentada nos arestos acima transcritos aproveita por maio- ria de razão à questão em apreço nos presentes autos, uma vez que pressupõe nitidamente que a qualificação da insolvência como culposa nos termos preconizados no artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, é abstratamente admissível, não se expondo a qualquer desconformidade com a Constituição da República Portuguesa, pelo que o recurso interposto pelos recorrentes da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa se afigura improcedente. B) Recurso interposto do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 9. Relativamente ao recurso interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça, importa começar por firmar a impropriedade da sua interposição ao abrigo do disposto na alínea f ) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Não está em hipótese nestes autos qualquer questão de “ilegalidade qualificada”, mais especificamente a aplicação de uma lei com valor reforçado, como a referida alínea f ) pressupõe, mas a aplicação de normas possivelmente feridas de inconstitucionalidade, o que corresponde, antes e apenas, à hipótese prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Para que o seu objeto possa ser conhecido, um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC deve satisfazer um determinado conjunto de pressupostos processuais. É necessário, designadamente, que os recorrentes tenham esgotado os recursos ordinários admitidos pela decisão recorrida e que tenham suscitado uma questão de constitucionalidade durante o processo e de forma adequada, questão esta que deve incidir sobre enunciados normativos que tenham constituído ratio decidendi daquela decisão.  10. Compulsados os autos, verifica-se que o objeto do recurso interposto da decisão do Supremo Tribunal de Justiça não pode também ser conhecido, por não se acharem preenchidos todos os pressupostos processuais neces- sários para o efeito, logo a começar pelo de que haja sido suscitada adequadamente perante o tribunal recorrido uma questão de constitucionalidade que este ficasse obrigado a conhecer, conforme é exigido pelos artigos 70.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 2, da LTC. Este pressuposto não se basta com uma simples alusão a uma norma de direito ordinário, antes exigindo que uma tal norma seja identificada de modo expresso e claro, delimitando-se pela positiva o objeto do recurso perante o tribunal recorrido, sob pena de ilegitimidade para vir ulteriormente recorrer-se para o Tribunal Constitucional [cf. de novo os artigos 70.º, n.º 1, alínea b) , e 72.º, n.º 1, alínea a) , e n.º 2, da LTC]. Isso implica, desde logo, que não constitua suscitação adequada a afirmação de que dada norma é inconstitucional quando interpretada do modo como o foi pelo tribunal recorrido, sem que se

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