TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
291 acórdão n.º 136/20 (n.º 4 do artigo 20.º da Constituição). Neste direito inclui-se a proibição da indefesa, ou seja, a exigência de que o processo seja estruturado de tal modo que não impeça as partes de apresentar as suas razões de facto e de direito, de oferecer as suas provas e de controlar as provas do adversário e de discretear sobre os resultados de umas e outras (cf., referindo outros, Acórdão n.º 658/06, www.tribunalconstitucional.pt ) . Isso não obsta, porém, a que o legislador estabeleça presunções iuris et iure , com as consequentes limitações ao âmbito da prova dos factos que as poderiam infirmar, desde que as mesmas visem atingir um fim legítimo e não se revelem desproporcionadas. Ora, o estabelecimento da presunção em análise tem a vantagem de evitar a subjetividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico, ao mesmo tempo que supera as dificuldades de apuramento de todo o circuns- tancialismo que envolveu a situação de insolvência. São objetivos perfeitamente legítimos, alicerçados não só em razões de segurança jurídica, mas também de justiça material, que justificam uma limitação ao âmbito de apreciação e, consequentemente, ao objeto de prova, mediante a imposição normativa ( ex vi legis ) de uma conclusão jurídica, perante a verificação de certos factos que o interessado pode discutir nos termos gerais. Na previsão normativa em apreciação, o facto que o legislador considerou suficiente para impor a qualifi- cação da insolvência como culposa foi a destruição, danificação, inutilização, ocultação, ou desaparecimento, no todo ou em parte considerável, do património do devedor. Ora, a prática de atos que determinem a perda ou subtração de parte considerável dos bens que constituíam o património do comerciante em quebra, carac- terizando-se a situação de insolvência por uma incapacidade do devedor de cumprimento das suas obrigações vencidas (artigo 3.º do CIRE), é determinante dessa insolvabilidade, num juízo de adequação socialnormativo (Carneiro da Frada, ob. cit. p. 966). Perante tais factos, credencia-se como razoável e adequado que, sem mais, o legislador considere a situação de insolvência culposa, para os referidos efeitos (Repare-se que a qualificação atribuída não é vinculativa para efeitos da decisão de causas penais ou de responsabilidade civil – cfr. artigo 185.º do CIRE). São tão flagrantemente reprováveis e aptos para causar a situação de insolvência que a indis- cutibilidade do inerente juízo de culpa se revela adequada aos fins em vista com a qualificação da falência. Pode, pois, concluir-se que os objetivos visados com o estabelecimento da automática inerência do juízo normativo de culpa à prova da verificação da situação descrita no artigo 186.º, n.º 2, alínea a) , do CIRE, são legítimos e que essa automaticidade ex vi legis se revela adequada, necessária e razoável, como meio de atingir esses objetivos, sem que o núcleo essencial da exigência constitucional do processo equitativo seja atingido, pelo que a respetiva norma não se mostra ferida de inconstitucionalidade. Por último, não sendo a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 286.º do CIRE que estabelece as consequên- cias da responsabilidade pela falência culposa – estas são cominadas no artigo 189.º do CIRE – não se vislum- bra fundamento mínimo para sustentar a discussão acerca da alegada violação, por aquela norma do direito ao trabalho (artigo 58.º, n.º 1, da CRP), do direito à livre escolha da profissão (artigo 47.º, n.º 1, da CRP), do direito à iniciativa económica privada (artigo 61.º da CRP) ou do direito de propriedade (artigo 62.º da CRP). O recurso improcede, pois, quanto à norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE.» 8.2. Deve depois atentar-se na fundamentação apresentada por este Tribunal no Acórdão n.º 70/12, prolatado no sentido da não inconstitucionalidade: «3. Para melhor situarmos a questão, há que previamente estabelecer o seu enquadramento normativo. Com a declaração de insolvência, abre-se oficiosamente um incidente tendente à obrigatória qualificação do tipo de insolvência, como culposa ou fortuita (artigos 185.º e 189.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 53/2004, de 18 de março, e alterado, por último, pelo Decreto-Lei n.º 185/2009, de 12 de agosto). Os fatores determinantes da qualificação da insolvência como culposa vêm expressos no artigo 186.º, que reza assim:
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