TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

290 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da constitucionalidade de qualquer outra; por outro, porque dificilmente poderia considerar-se que a ratio deci- dendi da decisão recorrida tivesse abrangido qualquer outra norma que não aquela, visto que, e conforme também já referido, o tribunal recorrido se debruçou sobre os termos genéricos do mecanismo presuntivo estabelecido n.º 2 do artigo 186.º do CIRE, e não sobre qualquer das concretas alíneas em que o mesmo se desdobra. Pode portanto conhecer-se o objeto do recurso interposto pelos recorrentes da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa. 8. Sucede no entanto que, assim compreendida, a questão de constitucionalidade formulada pelos recorrentes se perfila como uma questão «simples» para os efeitos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC.  8.1. Atente-se, desde logo, na fundamentação apresentada por este Tribunal no Acórdão n.º 570/08, prolatado no sentido da não inconstitucionalidade: «8. O acórdão recorrido interpretou a norma da alínea a) do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE como fazendo corresponder à demonstração de que o administrador da sociedade insolvente destruiu, danificou, inutilizou, ocultou, ou fez desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor – conduta que con- siderou provada e imputou aos recorrentes – uma presunção inilidível de culpa, conducente à qualificação da insolvência como culposa com as consequências inerentes. Aliás, no mesmo sentido vai a generalidade da dou- trina (Cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado , vol. II, p. 14, Menezes Leitão, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas anotado , p. 175, 2.ª edição, Carneiro da Frada, A responsabilidade dos administradores na insolvência, in Estudos Jurídicos e Económicos em Homenagem ao Prof. Doutor António Sousa Franco , vol. II, p. 963). Este entendimento implica que se considere a situação de insolvência da sociedade imputável ao adminis- trador contra quem se prove uma das condutas previstas, sem possibilidade de o interessado demonstrar (ou de o tribunal verificar oficiosamente) que, apesar da prova do comportamento descrito na norma, o juízo de cen- sura não se justifica (sobre o funcionamento desta presunção vide Carneiro da Frada, na ob. cit. , pp. 965-966). As presunções legais são ilações que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido (artigo 349.º do Código Civil). Mediante a demonstração de um determinado facto (o facto base da presun- ção), cuja prova incumbe à parte que a presunção favorece e pode ser feita pelos meios probatórios gerais, intervém a lei para concluir pela existência de outro facto (o facto presumido). Neste sentido, é duvidoso que na previsão do n.º 2 do artigo 186.º do CIRE se instituam verdadeiras presunções. Na verdade, o que o legislador faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos não é a ilação de que um outro facto (fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível) ocorreu, mas a valoração normativa da conduta que esses factos integram. Neste sentido, mais do que perante presunções inilidíveis, estaríamos perante a enunciação legal (não importa aqui averiguar se mediante enunciação taxativa ou concretizações exemplificativas) de situações típicas de insolvência culposa. De todo o modo, numa ou noutra perspetiva (presunção inilidível de culpa, factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa), o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de culpa como requisito da adoção das medidas restritivas previstas no artigo 189.º do CIRE contra os administradores julgados responsáveis pela insolvência. Ora, mais do que a determinação da natureza da norma (estabelecimento de uma presunção juris et de jure ou qualificação jurídica dos factos tipificados), o que é decisivo para a questão de constitucionalidade suscitada é que, perante a prova de determinados comportamentos dos administradores da sociedade insolvente, se conclui pela verificação desse requisito, sem necessidade, nem sequer possibilidade, de um juízo casuístico efetuado pelo julgador perante todo o circunstancialismo do caso concreto. É esta consequência jurídica, esta limitação do campo de valoração judicial autónoma do significado normativo da conduta prevista e, correspondentemente, do âmbito da defesa potencial do interessado, que importa confrontar com as normas e princípios constitucionais alegadamente violados. A garantia da via judiciária para defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos envolve, não apenas a atribuição aos interessados de um direito de ação judicial, mas também o direito a um processo equitativo

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