TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
289 acórdão n.º 136/20 192. A não se entender assim, a concluir-se automaticamente pela insolvência culposa nos casos previstos no n.º 2 do art. 186.º do CIRE (quer se considere que nesta norma se está perante uma presunção inilidível de culpa ou quer se entenda que se tratam de factos-índice ou tipos secundários de insolvência culposa, como entende alguma Jurisprudência), com a consequência também automática de se considerar necessariamente afetados os adminis- tradores do devedor, imputando-lhes automaticamente uma atuação dolosa ou com culpa grave – apenas e só por se ter considerado preenchida alguma das hipóteses previstas no n.º 2 da citada norma – a interpretação de tais artigos revelar-se-á ferida de inconstitucionalidade. (...) 199. Mas, salvo melhor opinião, tal Jurisprudência não aborda a questão essencial que é a de saber se se verificando qualquer uma das situações previstas nas alíneas do n.º 2 do art. 186 do CIRE , isso implica automaticamente a afetação dos administradores da Insolvente. 200. Sendo que, é essa a interpretação, violadora de tais preceitos constitucionais, que é acolhida na Sentença recorrida, ao considerar automaticamente a insolvência como culposa e, mais do que isso, ao considerar necessariamente todos os administradores.» (ii) No recurso de constitucionalidade: «1. No referido Acórdão datado de 20 de setembro de 2018, o artigo 186.º, n.º 2 do CIRE foi interpretado no sentido de que institui “(...) uma presunção iuri et de iure , quer da existência de culpa grave, quer do nexo de causalidade (...)” dos comportamentos aí descritos “(...) para a criação ou agravamento da situação de insolvência, não admitindo prova em contrário.” – veja-se págs. 60 e 61 do Acórdão recorrido. 2. Interpretação que se afigura inconstitucional, por violação do princípio da proibição da indefesa, previstos no artigo 20.º n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.» Por outro lado, como se verifica a partir das mesmas passagens, nas peças processuais em apreço, o artigo 189.º n.º 2, alínea c) , do CIRE, surge sempre referido de feição subordinada relativamente ao artigo 186.º, n.º 2, do mesmo diploma. Ou seja, o que os recorrentes questionam não é a consequência aí prevista, propriamente dita, mas a circunstância de a mesma decorrer inelutavelmente da qualificação da insolvência como culposa ao abrigo do disposto no artigo 186.º, n.º 2, do CIRE, no sentido normativo anteriormente referido. Foi também nesses termos genéricos que o tribunal recorrido conheceu a questão, como as seguintes passagens, já acima transcritas, claramente denotam (itálicos nossos): «Ora, a este propósito, já se referiu que a maioria da doutrina e da jurisprudência vai no sentido de que as presunções estabelecidas no n.º 2 do artigo 186.º do CIRE são inilidíveis, o que, aliás, os próprios Recorrentes admitem. Com efeito, não se pode sustentar, a inconstitucionali- dade material do instituto da qualificação da insolvência como culposa nos termos do art.º 186.º, n.º 2 do CIRE bem como da norma do art.º 189.º, n.º 2, al. c) do mesmo diploma, que permite a declaração da inabilitação para o comércio das pessoas afetadas pela insolvência, por violação do princípio da proporcionalidade ou do princípio de indefesa, consagrados nos artigos 18.º e 20.º, n.º 4, da CRP, respetivamente. Assim e começando pelo art.º 186.º, n.º 2, diremos, em consonância com a jurisprudência uniforme do Tribunal Constitucional, que esta norma não se mostra ferida de inconstitucionalidade material, pois que nada obsta a que o legislador estabeleça presunções iuris et de iure , com as consequentes limitações ao âmbito da prova dos factos que as poderiam infirmar, desde que as mesmas visem atingir um fim legítimo e não se revelem desproporcionadas. E que, alicerçando-se os objetivos por elas prosseguidos em razões de segurança jurídica e de justiça material (evitar a subjetividade inerente a um juízo de censura ético-jurídico e superar as dificuldades de apuramento de todo o circunstancialismo que envolveu a situação de insolvência), o estabelecimento da presunção de culpa em face da verificação dos factos descritos nas várias alíneas do n.º 2 do citado art.º 186.º revela-se adequado, necessário e razoável como meio de atingir esses objetivos.» 7. Poderia questionar-se se, autonomizado por completo das alíneas em que se desdobra, o n.º 2 do artigo 186.º constitui ainda uma norma no sentido exigido para efeitos de fiscalização concreta da constitucionali- dade. No entanto, admitir-se-á que apresenta suficiente normatividade o [enunciado] segundo o qual a quali- ficação da insolvência como culposa se baseia numa presunção inilidível, independentemente da(s) concreta(s) circunstância(s) que integra(m) tal presunção. De resto, nem outra norma poderia ser aqui conhecida: por um lado, e conforme já referido, porque foi essa e apenas essa a norma cuja inconstitucionalidade os recorrentes susci- taram previamente perante o tribunal recorrido, pelo que não teriam legitimidade para solicitar agora a fiscalização
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