TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
270 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL norma não resiste ao teste da necessidade: a extrema fragilidade do nexo entre a conduta que aí é descrita e o único bem jurídico que a norma poderia tutelar, acrescida do facto de a mesma abranger situações em que há até um exercício da liberdade sexual por parte de quem se prostitui, não permitem a conclusão de que tal norma seja necessária para tutelar esse direito. Mesmo persistindo na via da criminalização, o legislador poderia empreender essa tutela com significativamente menor restrição do direito à liberdade, através de um recorte típico que, podendo porventura ainda configurar-se como crime de perigo abstrato, apresente um autêntico nexo de perigosidade típica entre conduta e bem jurídico. Poderia então ainda discutir-se a propor- cionalidade em sentido estrito da norma, mas pelo menos estar-se-ia já num contexto de verdadeiro conflito de direitos e interesses constitucionais. Pelo contrário, a vigente norma incriminatória restringe um direito (à liberdade) em nome de um outro (à liberdade sexual) que pode plausivelmente não ter sido colocado em perigo concreto e ter até sido livremente exercido pelo seu titular, circunstância em que não há, portanto, carência de tutela penal. Importa apenas acrescentar que esta conclusão não aproveita diretamente a outros tipos legais de crime configurados como crimes de perigo abstrato e destinados a tutelar a liberdade e a autodeterminação sexuais, como a divulgação, ou a detenção com vista à divulgação, de material pornográfico em que sejam utilizados menores, previstas e punidas no artigo 176.º, n.º 1, alíneas c) e d) , do Código Penal. Sem encetar um exer- cício de comparação mais exaustivo e, novamente, sem exprimir qualquer consideração sobre a constitucio- nalidade de tais normas, pois não são elas as normas sob fiscalização, bastará notar que, ali, a utilização dos menores nos materiais em causa é criminalmente proibida [cf. a alínea b) do mesmo preceito], ao contrário do que acontece com a prostituição; depois, e porque de menores se trata, que essa utilização nunca poderia considerar-se resultante de um exercício de liberdade sexual, razão pela qual, desde logo, se está aqui antes no domínio dos crimes contra a autodeterminação sexual. III – Decisão Pelo exposto, decide-se: a) Julgar inconstitucional a norma incriminatória constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, por violação do artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n.º 1, da Constituição, conjugadamente; e, em conse- quência, b) Conceder provimento ao recurso. Sem custas. Lisboa, 3 de março de 2020. – Lino Rodrigues Ribeiro – Joana Fernandes Costa – Gonçalo de Almeida Ribeiro – Maria José Rangel de Mesquita (vencida nos termos da declaração que se junta) – João Pedro Caupers (vencido, por subscrever a jurisprudência constante, designadamente, do Acórdão n.º 421/17) DECLARAÇÃO DE VOTO Vencida quanto à decisão de julgamento de inconstitucionalidade da norma sindicada nos presentes autos (norma incriminatória constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal), por se subscrever, no essen- cial, a jurisprudência reiterada deste Tribunal, no sentido da não inconstitucionalidade da referida norma, mencionada nos números 7., 8. e 9. do Acórdão. – Maria José Rangel de Mesquita.
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=