TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
264 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL c) Nos Acórdãos n. os 641/16 e 694/17, o relator do presente Acórdão pronunciou-se nos seguintes termos: «Votei vencido por entender que a norma do n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, é inconstitucional, por violação do artigo 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa. A Reforma de 1998 – Lei n.º 65/98 -, ao suprimir do elemento do tipo legal de lenocínio a «exploração de situações de abandono ou de necessidade económica» tornou indefinido o bem jurídico por ele tutelado: a liber- dade sexual da pessoa que se prostitui?; a moral sexual?; uma determinada conceção de vida?; a paz social?. A questão da identificação do bem jurídico que a norma visa proteger suscitou na doutrina e na jurisprudência divergências interpretativas que não deixarão de persistir enquanto não houver uma reformulação do preceito. É que a supressão daquela exigência típica também eliminou a ligação do comportamento ao bem jurídico da liber- dade e da autodeterminação sexual, com a consequente incriminação de comportamentos que vão além dos que ofendem esse bem jurídico e relativamente aos quais não se pode afirmar a necessidade de restrição do direito à liberdade (cfr. Votos de vencido nos Acórdãos n.º 396/07 e 654/11, cuja fundamentação acompanho). De modo que só fazendo uma interpretação restritiva da norma, no sentido de se aplicar apenas aos casos em que a vítima se encontra numa situação de necessidade económica e social, é possível afirmar que o tipo legal vida proteger o bem jurídico da liberdade sexual. Simplesmente, não pode considerar-se que a letra da lei é mais ampla que o seu espírito quando foi o próprio legislador que quis eliminar do texto da lei aquela exigência. Se o fez para proteção de outros bens jurídicos, não o deveria deixar inserido no capítulo dos crimes contra a liberdade e autodeterminação sexual. E não é no valor da dignidade da pessoa humana que se pode encontrar o bem jurídico-constitucional digno de proteção penal. Como refere Figueiredo Dias, não é «essa a natureza do princípio, como não é essa a função de que surge investido em matéria penal; antes sim a de se erguer como veto inultrapassável a qualquer atividade do Estado que não respeite aquela dignidade essencial e, deste modo, antes que como fundamento, como limite de toda a intervenção estadual» (O “direito penal do bem jurídico como princípio jurídico-constitucional implícito”, in, Revista de Legislação e de Jurisprudência , Ano 145, pág. 260). Portanto, admitindo que a conduta de quem, profissionalmente, ou com intenção lucrativa, fomenta, favorece ou facilita o exercício de prostituição por pessoa que se encontra numa situação de necessidade económica e social necessita de tutela penal, como entendo, então só a introdução desse último elemento no tipo legal colocará o preceito em conformidade com a Constituição.» d) Finalmente, nos Acórdãos n. os 641/16, 421/17, 694/17, 90/18 e 178/18, o Conselheiro Manuel da Costa Andrade pronunciou-se nos seguintes termos: «Votei vencido por estar convencido de que a norma de incriminação e punição do Lenocínio constante do n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal é contrária à Constituição, por violação do disposto no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição da República. E é assim porquanto a incriminação da conduta típica não está preordenada à salvaguarda – menos ainda é para tanto necessária – de quaisquer “direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. Ou dito em linguagem da doutrina penal, não é necessária à proteção de qualquer bem jurídico. Bem jurídico que não se descortina na pertinente área de tutela típica. Noutra perspetiva, estamos perante uma mani- festação concreta dos chamados “crimes sem vítima”, no sentido criminológico do termo, na linha da E. SHUR ( victimless crimes ou crimes without victims. Cf. Edwin Schur, Crimes Without Victims: Deviant Behavior and Public Policy, Prentice Hall inc.1965). É seguramente assim a partir da reforma de 1998. Que inter alia eliminou o inciso -“exploração de situação de abandono ou de necessidade económica” – constante da versão originária (de 1982/1995). E deste modo abriu deliberadamente mão do momento da factualidade típica que associava a infração à ofensa à liberdade sexual e dei- xou atrás de si uma incriminação exclusivamente votada à punição de “quem, profissionalmente ou com intenção
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