TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
260 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL subsidiariedade do direito penal e da máxima restrição das penas que pressupõem apenas, em sentido estrito, a ine- ficácia de outro meio jurídico” (cf., ainda, no sentido de o artigo 18º, nº 2, ser critério para aferir da legitimidade constitucional das incriminações, os Acórdãos n. os 634/93, 650/93, Diário da República , II Série, de 31 de março de 1994, e 958/96, Diário da República , II Série, de 19 de dezembro de 1996).» b) No Acórdão n.º 654/11, pronunciou-se nos seguintes termos o Conselheiro Joaquim de Sousa Ribeiro: «(...) 3. O tratamento jurídico-penal dos crimes na esfera sexual evoluiu fortemente nas últimas décadas, como reflexo de alterações significativas nos padrões de conduta e nas conceções ético-sociais, neste domínio. Pode dizer-se que o elemento polarizador dessa evolução foi o franco acolhimento, também neste campo, da ideia valorativa da autonomia individual e do livre desenvolvimento da personalidade, em medida sem paralelo no passado. Essa mudança – porventura uma verdadeira “mudança de paradigma” – traduziu-se, por um lado, num recuo na criminalização de condutas livremente assumidas por pessoas com maturidade e autonomia decisórias, e, por outro, num alargamento de incriminações, em resultado de uma consciência mais afinada dos deveres de respeito pela integridade moral e pela autodeterminação dos outros. A nível da nossa legislação, e para além de reestruturações e reconfigurações de alguns tipos, sobressai, como mani- festação impressiva da orientação atual, um novo enquadramento sistemático. Na versão inicial do Código Penal de 1982, estes crimes figuravam no Título III (“Dos crimes contra valores e interesses da vida em sociedade”), Capítulo I (“Dos crimes contra os fundamentos ético-sociais da vida em sociedade”). Em 1995, os crimes sexuais foram transfe- ridos para o título respeitante aos crimes contra as pessoas, sendo aí objeto de um capítulo autónomo. É neste capítulo que se insere a norma incriminadora do lenocínio, na secção respeitante aos “crimes contra a liberdade sexual”. Em face desta localização, dir-se-ia que é este o bem jurídico protegido pelo artigo 170, n.º 1, do CP. Mas esta conclusão revela-se algo apressada, pois não tem qualquer respaldo na estrutura tipológica da norma incrimi- nadora. De facto, com a eliminação, na revisão de 1998, do segmento que estabelecia, como elemento do tipo, a exploração da vulnerabilidade situacional, em razão de abandono ou necessidade económica, da pessoa que se prostitui, desapareceu qualquer conexão com a proteção da vontade livre dessa pessoa. Essa conexão consta apenas do n.º 2 (de modo diversificado, consoante as previsões), como elemento de uma forma qualificada de crime de lenocínio, sujeita a uma moldura penal agravada. E, nisso, a norma do n.º 1 do artigo 170.º contrasta fortemente com todas as outras disposições de tutela da liberdade sexual. Em todas elas está presente, como elemento definidor do tipo legal de crime, o exercício de vio- lência, coação, ou, pelo menos constrangimento sobre a vontade da vítima, ou então, no caso da fraude sexual, de indução em erro, também ela obstativa de genuína expressão volitiva, por parte de quem é enganado. Atendendo à configuração tipológica, ganha fundamento a ideia de que criminalizada é a atividade profissional ou com fins lucrativos de proxenetismo, em si mesma, em quaisquer circunstâncias, sem se exigir um encaminha- mento para a prostituição imputável ao aproveitamento de condições situacionais tipicamente geradoras de défices de autonomia da vontade. A valoração, pela doutrina, deste novo dado legislativo foi, de uma forma geral, fortemente crítica – cfr., por todos, Figueiredo Dias, “O ‘direito penal do bem jurídico’ como princípio constitucional…”, in XXV anos de jurisprudência constitucional portuguesa , Coimbra, 2009, pp. 31 e seguintes, p. 39, para quem, «tendo o legislador ordinário eliminado a exigência de que o favorecimento da prostituição se ligasse à “exploração de situações de abandono ou de necessidade económica”, eliminou a referência do comportamento ao bem jurídico da liberdade e da autodeterminação sexual e tornou-se infiel ao princípio do direito penal do bem jurídico», «surgindo a incri- minação − pode ler-se em Direito penal. Parte geral, I, 2.ª edição, Coimbra, 2007. p. 124 − referida à tutela de puras situações tidas pelo legislador como imorais»; Anabela Rodrigues, “Anotação ao art. 170.º”, in Comentário conimbricense do Código Penal. Parte especial, I, Coimbra, 1999, p. 519, para quem a incriminação do lenocínio
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