TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

259 acórdão n.º 134/20 Hörnle, « it is a part of positive sexual freedom to use sexuality not only for pleasure or love, but also in an instru- mental way as a means to avert an expected disadvantage ». Daí, no fundo, que seja hoje relativamente incon- troversa, entre nós, a falta de dignidade penal da prostituição propriamente dita, assim como do recurso à prostituição, independentemente de a pessoa que se prostitui o fazer em virtude de uma situação de vulne- rabilidade em que se encontre ou de qualquer outra razão, como aquela, já referida, de esta pessoa procurar nisso um rendimento financeiro suplementar relativamente àquele que seria já suficiente para que de uma situação de necessidade económica se não pudesse falar. 11. O entendimento segundo o qual o tipo legal de crime previsto no atual artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal é inconstitucional tem significativo suporte doutrinário – vide e. g. Jorge de Figueiredo Dias, op. cit. , pp. 39 e seguintes, Anabela Miranda Rodrigues / Sónia Fidalgo, op. cit. , pp. 798 e seguintes, Maria João Antunes, “A problemática penal e o Tribunal Constitucional”, in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor J. J. Gomes Canotilho, I, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra , n.º 102 (2013), pp. 107 e seguintes, Augusto Silva Dias, “Reconhecimento e Coisificação nas Sociedades Contemporâneas – Uma Reflexão sobre os Limites da Intervenção Penal do Estado ”, in Liber Amicorum de José de Sousa e Brito, Almedina, 2009, pp. 123 e seguintes, José Mouraz Lopes / Tiago Caiado Milheiro, Crimes Sexuais: Análise Substantiva e Processual, Almedina, 2019, pp. 131 e seguintes, Pedro Soares de Albergaria / Pedro Mendes Lima, “O Crime de Lenocínio entre o Moralismo e o Paternalismo Jurídicos”, in Revista Portuguesa de Ciên- cia Criminal, 22, n.º 2, 2012, pp. 201 e seguintes, Carlota Pizarro de Almeida, op. cit. , pp. 21 e seguintes, Vera Lúcia Raposo, “Da moralidade à liberdade: o bem jurídico tutelado na criminalidade sexual” in Liber Discipulorum para Jorge de Figueiredo Dias Coimbra Editora, 2003, pp. 949 e seguintes – e ficou consignado em votos de vencido apostos em vários dos Acórdãos acima mencionados, mais especificamente nos Acór- dãos n. os  396/07, 522/07, 654/11, 641/16, 421/17, 694/17, 90/18 e 178/18. a) Nos Acórdãos n. os 396/07 e 522/07, a Conselheira Maria João Antunes pronunciou-se nos seguin- tes termos: «Votei vencida por entender que o artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, na redação dada pela Lei n.º 65/98, de 2 de setembro, é inconstitucional, por violação do artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP). A Lei n.º 65/98 alterou a estrutura típica do crime de Lenocínio, previsto no artigo 170.º do Código Penal, eliminando a exigência típica da “exploração duma situação de abandono ou necessidade”, ao arrepio de uma evo- lução legislativa, em matéria de crimes sexuais, que se inscreve num paradigma de intervenção mínima do direito penal, o ramo do direito que afeta, mais diretamente, o direito à liberdade (artigo 27.º, n. os 1 e 2, da CRP). Num paradigma em que a intervenção é apenas a necessária para a tutela de bens jurídicos (não da moral), que não obtêm proteção suficiente e adequada através de outros meios de política social. Com eliminação daquela exigência típica, o legislador incrimina comportamentos para além dos que ofendem o bem jurídico da liberdade sexual, relativamente aos quais não pode ser afirmada a necessidade de restrição do direito à liberdade, enquanto direito necessariamente implicado na punição (artigos 18.º, n.º 2, e 27.º, n. os 1 e 2, da CRP). Como se escreveu no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 211/95 ( Diário da República , II Série, de 24 de junho de 1995) “o que justifica a inclusão de certas situações no direito penal é a subordinação a uma lógica de estrita necessidade das restrições de direitos e interesses que decorrem da aplicação de penas públicas (artigo 18.º, n.º 2, da Constituição). E é também ainda a censurabilidade imanente de certas condutas, isto é, prévia à norma- tivação jurídica, que as torna aptas a um juízo de censura pessoal. Em suma, é, desde logo, a exigência de dignidade punitiva prévia das condutas, enquanto expressão de uma elevada gravidade ética e merecimento de culpa (artigo 1.º da Constituição, do qual decorre a proteção da essencial dignidade da pessoa humana), que se exprime no princípio constitucional da necessidade das penas (e não só da

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=