TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
258 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL simples abrange mais hipóteses do que aquelas que, à luz daqueles mesmos argumentos, se justificaria que abrangesse. Naturalmente, a linha de entendimento segundo a qual este tipo legal de crime é inconstitucio- nal não questiona que «a liberdade, designadamente a liberdade sexual» (Acórdão n.º 421/17) constitua um direito constitucionalmente protegido para os efeitos do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, nem que possa existir uma «normal associação», empiricamente comprovável, «entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência» (Acórdão n.º 144/04, reite- rado v. g. pelo Acórdão n.º 178/18). O ponto essencial para a linha que afirma a inconstitucionalidade – ou, pelo menos, o mínimo denominador comum aos vários entendimentos que nela se inscrevem – é o de que é ilegítimo, em nome dessa tendencial associação e a fim de garantir a punição de todos os casos em que ela efetivamente se materialize, criminalizar hipóteses em que isso manifestamente não ocorre. Mais longe vão Anabela Miranda Rodrigues / Sónia Fidalgo, “Artigo 169.º”, Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I, Coimbra Editora, 2.ª edição (CCCP-I), pp. 798 e seguintes, para quem «[n]em mesmo a exigência que se fazia na versão do CP de 1995 quanto à verificação do elemento típico “explora- ção de situações de abandono ou de necessidade económica” justificava [a] incriminação», pois «de vontade deficiente na decisão não se pode falar logo, só pelo facto de a pessoa estar em situação de abandono ou de necessidade económica». Procurando novamente um denominador comum mínimo, terá pelo menos de concordar-se que o papel que era desempenhado pela exigência típica de que haja exploração de uma situa- ção de abandono ou necessidade económica da pessoa que se prostitui não foi substituído pelo que é agora desempenhado pela exigência típica de que a pessoa que favorece, fomenta ou facilita a prostituição o faça profissionalmente ou motivado pelo lucro. Esta exigência, que antes surgia prevista como elemento qualifica- tivo do tipo legal de base e agora faz parte dele, não tem a virtualidade de cingir o âmbito desta norma incri- minatória a hipóteses em que existe uma exploração da pessoa que se prostitui, o elemento mínimo para que possa falar-se de um perigo para a liberdade sexual. Na verdade, essa exigência nada diz sobre a pessoa que se prostitui, senão sobre aquela que contribui para que a mesma se prostitua, não se afigurando de todo evi- dente a existência de um nexo entre o caráter profissional ou lucrativo desta atuação e a debilidade de quem se prostitui. Além disso, a natureza profissional ou o intuito lucrativo da atuação da pessoa que favorece a prostituição não impede o estabelecimento de relações sinalagmáticas com a pessoa que se prostitui. O/A proprietário/a do alojamento que o explora a fim de que aí tenha lugar a prática de prostituição tanto poderá estar, desse passo, a facilitar, fomentar ou favorecer a prostituição de uma pessoa que se encontre numa situa- ção de vulnerabilidade como a de uma pessoa que não se encontre numa tal situação e que tenha, antes e ainda assim, decidido prostituir-se, por exemplo por ver nisso um modo de obter um nível mais satisfatório de rendimento financeiro. Em nenhum de tais casos poderá também dar-se como adquirido ou sequer como significativamente mais provável, a partir do caráter profissional e/ou da intenção lucrativa do/a dono/a da pensão, que a sua ação tenha caráter exploratório, desde logo quando o valor cobrado for um valor normal, idêntico ao que é cobrado a qualquer cliente (na mesma linha, vide o exemplo formulado por Carlota Pizarro de Almeida, “O crime de lenocínio no artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal (Anotação ao Acórdão TC n.º 144/04)”, in Jurisprudência Constitucional, n.º 7 (2005), p. 34). Importa notar que a liberdade sexual de uma pessoa inclui a decisão de praticar atos sexuais com outra em razão de se encontrar (objetivamente) ou sentir (subjetivamente) ameaçada por um mal importante não imputável a esta segunda pessoa, cuja conduta, por conseguinte, mesmo que praticada com consciência daquela circunstância, não merece censura penal. Como afirma Pedro Caeiro, “Observações sobre a proje- tada reforma do regime dos crimes sexuais e do crime de violência doméstica (em apreciação no Grupo de Trabalho – Alterações Legislativas – Crimes de Perseguição e Violência Doméstica da Comissão de Assun- tos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias)”, 2019, in www.parlamento.pt , neste ponto acompa- nhando Tatjana Hörnle, “The new German law on sexual assault and sexual harassment”, in German Law Journal 18, n.º 6 (2017), pp. 1323 e seguintes: «Aí, é crucial distinguir o que deve ser incriminado e aquilo que pertence ainda à auto-organização (ainda que condicionada) da vida sexual. Como bem discorre Tatjana
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=