TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

257 acórdão n.º 134/20 destas considerações, a prostituição é uma instituição patriarcal que promove na sociedade a ideia de que o dinheiro permite aos homens o uso do corpo das mulheres como objeto sexual, propriedade dos homens, constituindo uma violação da dignidade humana de todas as mulheres e um obstáculo à construção de uma sociedade baseada na igualdade de género, tarefa fundamental do Estado imposta constitucionalmente no artigo 9.º, alínea h) , da CRP. A incriminação das condutas previstas no artigo 169.º, n.º 1, da CRP corresponde, neste contexto, a uma opção de política criminal justificada pela normal associação entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social das pessoas prostituídas, que dependem desta atividade para sobreviverem, surgindo a prostituição, em regra, não como uma escolha sua baseada na liberdade e na autonomia, mas como a continuidade do seu percurso de abandono, pobreza e vitimação por abuso sexual na infância. (…) [E]sta norma visa combater um fenómeno invisível na sociedade e que se traduz na exploração das pessoas prostituídas, que prestam um consentimento meramente formal à atividade da prostituição, mas que não vivem em estruturas económico-sociais que lhes permitam tomar decisões em liberdade, por pobreza, desemprego e percursos de vida marcados pela violência e pelo abandono desde uma idade muito jovem. Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nos últimos trinta anos, mudou muito, verificando-se uma estrita ligação entre a prostituição e o tráfico de pessoas, o qual atinge dimensões crescentes, inimagináveis há algumas décadas atrás. Verificou-se tam- bém que o sistema não tem instrumentos para distinguir, na prática, a ténue linha que separa o consentimento da pessoa para a prática de atos de prostituição das situações de tráfico e prostituição forçada. As leis que criminalizam o uso do serviço sem o consentimento da vítima enfrentam dificuldades sérias na sua implementação e o sistema não consegue aplicá-las efetivamente (...). Neste contexto de política criminal, o desaparecimento do requisito da «exploração de um estado de necessidade ou de abandono» situa-se dentro da margem de liberdade de conforma- ção do legislador democrático e visa, não a tutela de qualquer moral, mas a proteção de direitos fundamentais das pessoas à autonomia, à integridade pessoal, ao livre desenvolvimento da personalidade e à dignidade (artigos 1.º, 25.º, n.º 1 e 26.º, n.º 1, da CRP).  A prostituição é uma questão que preocupa os Estados, por estar associada ao tráfico de pessoas e implicar uma violação de direitos humanos de um número cada vez mais elevado de pessoas, na sua maioria mulheres e crianças migrantes (traficadas de países subdesenvolvidos para países desenvolvidos), impedindo a estas pessoas o acesso à cidadania, à liberdade, à igualdade de direitos, e à autonomia na condução da sua vida. As pessoas são utilizadas como fonte de lucro para outrem, através de uma atividade que é hoje designada como a escravatura dos tempos modernos, tratando-se a prostituição de um dos negócios mais rentáveis do mundo, movimentando cerca de $186.00 biliões por ano e envolvendo cerca de 40-42 milhões de pessoas, 90% das quais dependentes de outrem e 75% das quais têm idades compreendidas entre 13 e 25 anos (...). Segundo estatísticas dos Estados membros da EU, cerca de 60% a 90% das pessoas prostituídas são vítimas de crimes de tráfico (...).   (...)  Existe consenso entre os Estados-Membros da União Europeia de que o tráfico de pessoas e a exploração sexual devem ser erradicados, [existindo dados estatísticos] segundo os quais, em 2008, 90% das pessoas prosti- tuídas eram mulheres e a maioria das mulheres prostituídas eram migrantes, principalmente da Europa de Leste). Segundo o mesmo estudo do Parlamento Europeu, está a «ganhar apoio crescente a conceção que entende que o negócio da prostituição não pode ser legitimado, por violar os princípios ínsitos na Carta dos Direitos Fundamen- tais, entre os quais se encontra o princípio da igualdade» (...). No quadro social e jurídico descrito, dada a complexidade da definição dos instrumentos legais adequados à proteção das pessoas prostituídas e ao combate ao tráfico, não pode deixar de se entender que está dentro da mar- gem de liberdade do legislador democrático consagrar o modelo de criminalização do lenocínio, nos moldes em que o faz o artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal que não padece assim de qualquer vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da proporcionalidade ínsito no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.» 10. Todavia, nem os argumentos de natureza normativa nem os de natureza empírica acima apresenta- dos são capazes de afastar a circunstância de que, na sua configuração atual, o tipo legal de crime do lenocínio

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