TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
256 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL da pessoa humana – paradigmático, na verdade, da categoria dos “conceitos essencialmente contestados” -, e mantendo-nos antes num estrito horizonte de proporcionalidade, como poderá, pois, fazer-se decorrer diretamente de um tal princípio, que não de alguma sua concretização tangível, uma concreta e garantida restrição de direitos fundamentais? Como afirma Manuel da Costa Andrade, Liberdade de Imprensa e Invio- labilidade Pessoal, Coimbra Editora, 1996, p. 13, se «a dignidade humana é a verdadeira realidade numenal protegida pelo direito penal», ela é-o forçosamente «sob a forma e sub nomine dos bens jurídico-penais de índole pessoal», as únicas «mostrações ou cintilações fenomenológicas acessíveis à racionalidade jurídica». Sem a referência de um direito ou interesse específico, é a própria avaliação da proporcionalidade que fica inviabilizada, por nada haver num dos pratos da balança que seja minimamente mensurável. Para o presente efeito, não se justifica revisitar esse tema com suplementar aprofundamento. Em pri- meiro lugar, pela estabilidade doutrinária e jurisprudencial que o envolve, estabilidade esta que, note-se, não é desmentida pelo facto de o conteúdo do princípio ser contestado: há relativo consenso quanto à ideia de que não pode haver absoluto consenso sobre o seu conteúdo e, pois, quanto à ideia de que ele não pode em regra ser fonte de soluções concretas. Depois, porque, como também já se referiu, tem sido a própria juris- prudência prolatada no sentido da não inconstitucionalidade do crime de lenocínio simples que tem procu- rado estabelecer a conexão entre a conduta aí descrita e certos direitos constitucionais sensu proprio – os direi- tos à liberdade e à autodeterminação sexuais (direitos frequentemente equiparados, mas conceptualmente distintos e, com efeito, separadamente tratados na sistematização do Código Penal, que integra o lenocínio em Secção dedicada aos crimes contra a liberdade sexual), essencialmente decorrentes do artigo 26.º, n.º 1, da Constituição -, no pressuposto de que isso é indispensável para se concluir pela não desproporcionalidade daquela norma incriminatória. Assim, por exemplo, afirmou-se no Acórdão n.º 421/17 que: «(...) Trata-se ainda de proteger a liberdade, designadamente a liberdade sexual, prevenindo-se o perigo de redução da margem de autonomia decisória do agente que se prostitui através da mediação de terceiros que atuam profissionalmente ou com fins lucrativos. Conclui-se assim que a adoção de um tipo criminal como o previsto no artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal não está constitucionalmente proibida. Evidenciado o bem jurídico tutelado, bem como a sua dignidade constitu- cional, afastada fica a violação pela norma em juízo do princípio da proporcionalidade implicado no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição.» 9. Por outro lado, o Acórdão n.º 178/18, confirmando a Decisão Sumária n.º 129/18, acrescentou aos argumentos acima expostos alguns dados empíricos relevantes: «(...) Neste sentido, corroborando as conclusões dos Acórdãos citados, estudos sobre prostituição (...) demons- tram que cerca de 75% a 90% das mulheres prostituídas foram vítimas de agressões físicas ou abuso sexual na infância, no seio da sua própria família e a maioria das pessoas prostituídas, de ambos os sexos, foi iniciada na pros- tituição por terceiros quando era menor de idade, havendo prova empírica suficiente de que a vitimação por abuso sexual na infância ou na adolescência contribuiu, de forma significativa, para a sua entrada na prostituição. Apro- ximadamente 90% das mulheres inquiridas indicou que gostava de deixar a prostituição mas que tinha medo de ser rejeitada e de não ter emprego (…). Um outro estudo revelou que 62% das mulheres na prostituição relataram terem sido vítimas de violação e 68% apresentam sintomas de stress pós-traumático tal como as vítimas de tortura (...), sendo consensual entre os estudos feitos o elevado risco de violência e de morte das mulheres prostituídas (...). Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nas últimas décadas, passou a estar ligado ao tráfico de mulheres e de meninas para exploração sexual, um dos negócios mais rentáveis do mundo e que criou a chamada “escravatura” dos tempos modernos, sendo a linha de fronteira entre serviços sexuais prestados com consentimento e prostituição forçada ténue e muito difícil de provar. A prostituição é hoje considerada uma forma de violência contra as mulhe- res integrada no conceito de violência de género, que atinge de forma desproporcionada as mulheres só pelo facto de o serem ( Lobby Europeu de Mulheres, Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2011). Para além
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