TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

250 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL “6.2. A conformidade constitucional da criminalização do lenocínio, perante a tipificação contida no artigo 169.º, n.º 1, do CP, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de setembro, ou aquela que antecedeu essa alteração de redação, constitui questão simples, na aceção do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, por repetidamente apreciada por este Tribunal, sempre com afastamento de censura constitucional, por lhe estar subjacente uma perspetiva fundamentada na ordem axiológica da Constituição. É o que decorre, dentre as decisões mais recen- tes, dos Acórdãos n. os 170/06, 33/07, 396/07, 522/07, 141/10, 559/11, 605/11, 654/11, 203/12 e 149/14, todos reafirmando o que foi entendido no Acórdão n.º 144/04, leading case sobre a temática. Note-se que a circunstância deste aresto ter versado a incriminação do lenocínio constante do artigo 170.º, n.º 1, do Código Penal, não impede a sua transposição para a solução de questão incidente sobre o artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, na redação conferida pela Lei n.º 59/2007, pois ambos os preceitos assumem, na dimensão efetivamente aplicada na decisão recorrida – que não considerou a prática de atos sexuais de relevo -, plena identidade nor- mativa (também assim, os Acórdãos n. os 141/10, 559/11, 605/11 e 203/12, que versaram igualmente a redação da norma penal incriminadora alterada em 2007)”. 2.2. Remetemos, pois, para a uniforme – mas não unânime – jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a matéria, designadamente para a fundamentação constante dos acórdãos n. os 144/04 e 641/16 e, mais recente- mente, os Acórdãos n. os 421/17, 694/17 e 90/18. 2.3. Ainda sobre esta matéria e recordando que o recorrente também foi condenado pela prática de um crime de auxilio à imigração ilegal, não podemos deixar de referir a Decisão Sumária n.º 129/2018, proferida no Proc.º n.º 1173/17, da 2.ª Secção, e na qual se pode ler: “Neste sentido, corroborando as conclusões dos Acórdãos citados [do Tribunal Constitucional], estudos sobre prostituição (cf. os estudos citados por Catherinne MacKinnon, Sex Equality, University Case Book Series, New York, Foundation Press, 2001, pp. 1412-1413) demonstram que cerca de 75% a 90% das mulhe- res prostituídas foram vítimas de agressões físicas ou abuso sexual na infância, no seio da sua própria família e a maioria das pessoas prostituídas, de ambos os sexos, foi iniciada na prostituição por terceiros quando era menor de idade, havendo prova empírica suficiente de que a vitimação por abuso sexual na infância ou na adolescência contribuiu, de forma significativa, para a sua entrada na prostituição. Aproximadamente 90% das mulheres inquiridas indicou que gostava de deixar a prostituição mas que tinha medo de ser rejeitada e de não ter emprego (cf. «Streetwork Outreach with Adult Female Prostitutes, Final Report», 1987, apud Catherine Mackinnon, ob. cit. , p. 1411). Um outro estudo revelou que 62% das mulheres na prostituição relataram terem sido vítimas de violação e 68% apresentam sintomas de stress pós-traumático tal como as vítimas de tortura (Farley, M. et al. , «Prostitution and Trafficking in Nine Countries: An Update on Violence and Posttraumatic Stress Disorder», in Journal of Trauma Practice, Vol. 2, No. 3/4, 2003, pp. 33-74), sendo consensual entre os estudos feitos o elevado risco de violência e de morte das mulheres prostituídas (cf. Sexual exploitation and its impact on gender equality, European Parliament, 2014, disponível para consulta in http://www.europarl.europa. eu/RegData/etudes/etudes/join/2014/493040/IPOL-FEMM_ET(2014)493040_EN.pdf ). Por outro lado, o fenómeno da prostituição, nas últimas décadas, passou a estar ligado ao tráfico de mulhe- res e de meninas para exploração sexual, um dos negócios mais rentáveis do mundo e que criou a chamada “escravatura” dos tempos modernos, sendo a linha de fronteira entre serviços sexuais prestados com consenti- mento e prostituição forçada ténue e muito difícil de provar. (…) A incriminação das condutas previstas no artigo 169.º, n.º 1, da CRP corresponde, neste contexto, a uma opção de política criminal justificada pela normal associação entre as condutas que são designadas como leno- cínio e a exploração da necessidade económica e social das pessoas prostituídas, que dependem desta atividade para sobreviverem, surgindo a prostituição, em regra, não como uma escolha sua baseada na liberdade e na autonomia, mas como a continuidade do seu percurso de abandono, pobreza e vitimação por abuso sexual na infância.”

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