TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
249 acórdão n.º 134/20 Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório 1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Coimbra, em que é recorrente A. e recorrido o Ministério Público, o primeiro interpôs recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b) , da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão daquele tribunal datada de 18 de outubro de 2017 que manteve a decisão da 1.ª instância condenando-o na pena única de 1 (um) ano e 8 (oito) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, pela prática em coautoria material e na forma consumada de um crime de lenocínio, previsto e punido pelo disposto no n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal e de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo disposto no n.º 2 do artigo 183.º da Lei n.º 23/2007, de 4 de julho. 2. O recorrente pretende ver fiscalizada a constitucionalidade da norma constante do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, que criminaliza o lenocínio na sua forma simples ou fundamental, tendo apresentado ale- gações de recurso que concluem do seguinte modo: «1.ª- A definição do bem jurídico-penal desempenha o papel de critério da decisão legislativa criminalizadora a qual deve ser efetuada com o recurso a uma conceção ético-social mediatizada pela constituição democrática, mediatizada no quadro referencial dos direitos inerentes à dignidade da pessoa humana e os deveres essenciais à funcionalidade e justiça do sistema social. 2.ª- O crime de lenocínio do art.º 169.º, n.º 1 CP, é um crime de perigo abstrato, onde não se exige que o bem jurídico tenha sido efetivamente posto em perigo uma vez que este não faz parte do tipo, mas tão só, da motivação da proibição. 3.ª- Sendo o bem jurídico visado pela norma a autonomia e liberdade da pessoa que se prostitui (ou a liberdade sexual), as condutas previstas no tipo em analise não traduzem em si uma perigosidade típica de lesão de tal bem jurídico, pelo que se exigiria para a incriminação a identificação precisa do bem jurídico e a sua grande importância. 4.ª- Mesmo sendo a motivação da proibição legítima, importaria demonstrar estar tal bem jurídico necessitado de tutela penal por inexistência ou insuficiência de outras reações sociais para a sua proteção. 5.ª- Por isso, incriminação e punição do art.º 169.º, n.º1 CP é inconstitucional por violação do art.º 18.º n.º 2 CRP, em particular do princípios constitucionais do “Direito Penal do Bem Jurídico” ou da “Dignidade penal do bem jurídico” (condicionando a restrição de direitos à salvaguarda de outros) e da “Necessidade penal” (condicio- nando tal restrição à sua necessidade para a referida salvaguarda) em três dimensões: a) a inexistência ou insuficiência de outras reações sociais para uma proteção eficaz do bem jurídicos com dignidade penal; b) a adequação da sanção criminal a uma tutela relativamente eficaz do bem; c) a proporcionalidade entre a gravidade da sanção criminal e a relevância pessoal e/ou social dos bens jurídi- cos protegidos (e lesados ou postos em perigo).» 3. O Ministério Público contra-alegou, pugnando pela negação de provimento ao recurso. Fê-lo funda- mentalmente nos seguintes termos: «(...) 2. Apreciação do mérito do recurso 2.1. A questão de constitucionalidade que o Tribunal Constitucional tem de apreciar já foi apreciada em mui- tos acórdãos do Tribunal Constitucional. No recente Acórdão n.º 641/16, começou por dizer-se:
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