TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
246 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL III - O Tribunal Constitucional tem considerado que a conduta atualmente prevista no n.º 1 do artigo 169.º do Código Penal se mostra suficientemente ofensiva para direitos e interesses constitucional- mente consagrados para que se não exponha a inconstitucionalidade no confronto com o parâmetro do artigo 18.º, n.º 2, da Lei Fundamental. IV - A ideia de que pode ver-se no princípio da dignidade da pessoa humana um bem jurídico capaz de assegurar a proporcionalidade da restrição da liberdade inerente à criminalização de uma conduta, ou de que esse princípio pode de algum outro modo autónomo suster a criminalização de uma conduta, suscita sérias reservas; desde logo, de um ponto de vista sistemático, porque ele surge consagrado na nossa Constituição enquanto princípio fundamental, e não enquanto direito fundamental; depois, nos planos literal e teleológico, porque o elevado grau de abstração que o caracteriza tende a impedi-lo de desempenhar adequadamente funções prescritivas concretas; a abstração do princípio da dignidade da pessoa humana impede-o, em via de regra, de ser visto como fonte de prescrições precisas – de «soluções jurídicas concretas» –, sejam elas favoráveis ou desfavoráveis de um prisma individual, mas especialmente as segundas; sem a referência de um direito ou interesse específico, é a própria avaliação da proporcionalidade que fica inviabilizada, por nada haver num dos pratos da balança que seja mini- mamente mensurável. V - A linha de entendimento segundo a qual este tipo legal de crime é inconstitucional não questiona que «a liberdade, designadamente a liberdade sexual» constitua um direito constitucionalmente protegido para os efeitos do princípio da proporcionalidade decorrente do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, nem que possa existir uma «normal associação», empiricamente comprovável, «entre as condutas que são designadas como lenocínio e a exploração da necessidade económica e social, das pessoas que se dedicam à prostituição, fazendo desta um modo de subsistência», sendo o ponto essencial para a linha que afirma a inconstitucionalidade o de que é ilegítimo, em nome dessa tendencial associação e a fim de garantir a punição de todos os casos em que ela efetivamente se materialize, criminalizar hipóteses em que isso manifestamente não ocorre. VI - Não se afigura possível, quer em face da sua letra, quer da sua história, quer, ainda, de considerações de índole sistemática, interpretar este tipo legal de crime no sentido de o mesmo exigir que tenha havido exploração de uma situação de vulnerabilidade da pessoa que se prostitui: essa exigência não só não consta do n.º 1 do artigo 169.º como foi assumidamente retirada dele pelo legislador e deslocada para a alínea d) do n.º 2 do mesmo preceito; a jurisprudência deste Tribunal tem sempre suposto uma interpretação deste tipo legal de crime no sentido de o seu âmbito não estar cingido a hipóteses em que haja exploração de uma situação de vulnerabilidade de quem se prostitui, tendo inclusivamente explicitado já, que o mesmo abrange casos de exercício de prostituição por «pessoa auto determinada», simplesmente, tem concluído pela não inconstitucionalidade do tipo legal assim interpretado. VII - Se o Tribunal Constitucional tem entendido ser esse o único sentido normativo possível de extrair do artigo 169.º, n.º 1, do Código Penal, e se tem entendido que esse tipo legal de crime visa ainda a proteção do bem jurídico «liberdade sexual», então é forçoso concluir que o Tribunal o concebe como um crime de perigo abstrato, técnica criminalizadora que, no entender também já expresso pelo Tribunal, apesar de envolver uma significativa antecipação da tutela de bens jurídicos, não se expõe necessariamente a inconstitucionalidade, na medida em que, inter alia , efetivamente se ligue ainda à proteção de bens jurídicos; o tipo legal de crime de lenocínio simples abrange situações
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