TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
240 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL de atribuição de benefícios fiscais e das consequências associadas à sua não verificação – domínio no qual, repete-se, a «margem de determinação do legislador democrático» surge «dotada de especial amplitude» (Acórdão n.º 42/14) – , creio que apenas assim porventura o não seria se a transação, apesar de não com- provável através da fatura emitida em nome do titular do cartão, tivesse sido comprovadamente realizada a titular do benefício fiscal. Penso, aliás, que somente neste caso seria possível invocar, com total propriedade, o juízo formulado pelo Tribunal de Justiça da União Europeia na decisão de que o presente Acórdão se socorre, que julgou incom- patível com o princípio da proporcionalidade determinada norma prevista no direito polaco, de acordo com a qual, em caso de incumprimento pelos vendedores de combustível da obrigação de apresentação, no prazo fixado, de um extrato mensal das declarações dos compradores segundo as quais os produtos comprados se destinavam a aquecimento, «é aplicável ao combustível de aquecimento vendido a taxa de imposto especial de consumo prevista para os carburantes, mesmo que se tenha constatado que não há dúvida de que esse produto se destinava a aquecimento» (itálico aditado). Para além de ter sido confrontado com as consequências do incumprimento de uma obrigação mera- mente acessória ou instrumental, extrínseca ao ato de venda do combustível – e não, como no presente caso sucede, do dever de faturação da venda em nome do titular do benefício –, o Tribunal de Justiça considerou que a reposição da tributação-regra violava, no caso, as exigências do princípio da proporcionalidade na medida em que, no processo principal, fora constatado «que as vendas de combustível […] tinham sido verificadas e que não havia dúvida de que os compradores tinham confirmado a compra e o consumo desse combustível para efeitos de aquecimento». Ora, tal elemento não só não faz parte da norma sindicada como, segundo resulta do quadro factual traçado pelo tribunal recorrido – que considerou não ter ficado demonstrado que «todas as vendas de gasóleo colorido e marcado» efetuadas pela recorrente tenham sido realizadas a «titulares» (e não meramente porta- dores) «de cartões com microcircuito, designadamente nos casos […] subjacentes à liquidação » (itálico aditado) –, não se verifica no caso presente. É por isso que, fora dos casos em que a venda tenha sido comprovadamente realizada a efetivo titular do benefício fiscal – prova que a recorrente, apesar de admitia a fazê-lo, não logrou realizar –, tendo a concluir que a proibição de restringir desproporcionadamente a liberdade de iniciativa económica, a que o legislador se encontra constitucionalmente vinculado por força dos artigos 61.º, n.º 1, e 18.º, n.º 2, da Constituição, não lhe veda a possibilidade de determinar a extinção do benefício fiscal, com reposição automática da tributação-regra, em caso de irregularidade da venda por falta de emissão da correspondente fatura em nome do titular daquele. E, consequentemente, que, na qualidade de sujeito passivo do imposto [alínea h) do n.º 2 do artigo 4.º do CIEC], o proprietário ou explorador do posto de abastecimento seja responsabilizado pagamento do ISP, resultante da diferença entre o nível de tributação aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que vendeu e para as quais não foram emitidas as correspondentes faturas em nome do titular do cartão. – Joana Fernandes Costa. DECLARAÇÃO DE VOTO Vencido. Não considero que a norma em causa enferme do vício de inconstitucionalidade que o acór- dão julgou procedente, por entender que, no caso de introdução irregular no consumo de gasóleo colorido e marcado (GCM), para além da coima imposta pela prática da irregularidade, pode ser exigido ao sujeito passivo do imposto sobre produtos petrolíferos e energéticos (ISP) o pagamento da diferença entre o nível de tributação do gasóleo normal e a taxa aplicável ao gasóleo colorido e marcado. Devo começar por referir que a situação que dá origem ao imposto – o facto tributário – é o facto que concretiza as normas de incidência subjetiva e objetiva, produzindo com isso o nascimento da obrigação fiscal (cfr. n.º 1 do artigo 36.º da Lei Geral Tributária). Daí que as normas que enunciam os pressupostos de
RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=