TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

223 acórdão n.º 129/20 liberdade económica se deve subordinar à liberdade de trabalhar; e na Alemanha, por Norbert Achterberg, que salienta a íntima e indissociável ligação do direito ao trabalho à realização da personalidade do traba- lhador e para quem tais valores imateriais não são adequadamente compensados através da previsão legal da onerosidade da cláusula. E aquele autor sublinha que a interrogação quanto à licitude de tais cláusulas deriva não só da possibilidade de serem vistas como “atentatórias de um direito ou liberdade fundamental e indisponível, como é a liberdade de trabalho” e da limitação que provocam na “liberdade de desvinculação de um trabalhador, também ela uma faceta da liberdade de trabalhar”, como de, “numa ordem jurídica e eco- nómica que consagra a liberdade de concorrência no mercado, todos os acordos limitadores da concorrência surg[ir]em, também, como um paradoxo, ao menos aparente”, e, por último, de considerarem irrelevante “o interesse público e nomeadamente o interesse em aproveitar a experiência, a perícia, a especialização de muitos quadros técnicos”, conduzindo a um “terrível desperdício de talentos” (citando Angela M. Cerino, “A Talent is a Terrible Thing to Waste: Toward a Workable Solution to the Problem of Restrictive Covenants in Employment Contracts”, in Duquesne Law Review, 1986, vol. 24, pp. 777 e seguintes). Reconhecendo a valia de diversos destes argumentos, o certo é que, como refere Júlio Gomes, nos estu- dos citados, a generalidade dos ordenamentos jurídicos tolera estas cláusulas de não concorrência, embora introduzindo-lhe uma série considerável de restrições, que permitem afastar as dúvidas de inconstituciona- lidade, que, por exemplo, Jorge Leite ( Direito do Trabalho, vol. II, Serviço de Textos dos Serviços de Ação Social da Universidade de Coimbra, Coimbra, 1999, p. 63) funda nas considerações de que, por um lado, embora a liberdade de trabalho não seja uma liberdade absoluta ou sem limites, ela apenas suportaria, nos termos constitucionais, as restrições impostas pelo interesse coletivo ou as inerentes às próprias capacidades de cada um, o que não seria o caso, e de que, por outro lado, configurando-se a liberdade de trabalho como um direito essencial e irrenunciável, a sua compressão por via negocial suscitaria fortes dúvidas, até porque o consentimento do trabalhador, dada a sua conexão com a necessidade de obter ou de conservar o emprego, é dada em circunstâncias potencialmente constringentes. Com base nesta ordem de considerações, o Tribunal considerou que a possibilidade de celebração de pactos de não concorrência, nos termos e com os limites então estabelecidos no n.º 2 do artigo 36.º da LCT, constituía uma interferência na liberdade de trabalho insuscetível de qualquer censura constitucional no âmbito do juízo de ponderação para que remete o controlo baseado na proibição do excesso. Isso mesmo foi afirmado no seguinte excerto do Acórdão n.º 256/04: «Entende-se, com efeito, em balanço global, que a regulação legal dos pactos de não concorrência contida na norma questionada não pode ser considerada como restringindo de forma constitucionalmente intolerável a liberdade de trabalho. Sendo irrecusável a possibilidade da existência, em alguns casos, do apontado constrangimento à aceitação desta cláusula restritiva, não deixa de ser relevante que ela não resulte de imposição do legislador, mas antes de acordo de vontades das partes, assentando, assim, em último termo, na autonomia do trabalhador. Depois, a imposição de forma escrita, como formalidade  ad substantiam, assegura a assunção consciente da restrição e delimita o seu âmbito de aplicação. Por outro lado, trata-se de restrição com limitação temporal e, embora a lei não o diga expressamente, a dou- trina é concorde em considerá-la também sujeita a limitação geográfica, derivada do seu próprio fundamento, pois nada justificaria o impedimento da atividade do trabalhador em zona aonde o seu antigo empregador não estende a sua ação empresarial. Especial relevância assume a exigência legal da existência de risco efetivo de prejuízos para o ex-empregador, enten- didos estes limitadamente como sendo apenas os derivados diretamente da colocação ao serviço de empresas concor- rentes dos segredos e conhecimentos especificamente adquiridos ao serviço da antiga empresa. Não basta o prejuízo comum de o empregador perder um seu trabalhador de qualidade para outra empresa concorrente. Há de estar em causa o risco daquilo que a doutrina designa por “concorrência diferencial”, isto é, a especificidade da concorrência que um ex-trabalhadorestá em condições de realizar relativamente ao seu antigo empregador, por ter trabalhado para ele.

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