TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

222 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL eficazmente, etc.). Tais conhecimentos e informações passam a integrar aquilo que por vezes se designa como o «património profissional» do trabalhador. É evidente que nada impede o trabalhador de utilizar esses conheci- mentos no futuro, porque, como explica Raúl Ventura ( Extinção ..., cit., p. 358), não pode impor-se um dever de «não utilizar a técnica adquirida ao serviço de qualquer empresa, pois a preparação profissional do traba- lhador constitui a base da sua vida, que não pode ser-lhe retirada seja a que título for». Mas é também verdade que a utilização deste acervo de conhecimentos por empresas concorrentes pode ser extremamente prejudicial para o primitivo empregador – pense-se, por exemplo, nos prejuízos que lhe podem advir da utilização por um concorrente das informações relativas à sua carteira de clientes. Os pactos de não concorrência representam uma forma de conciliar os interesses contrapostos aqui em jogo. Simplesmente, uma vez que representam uma restrição da liberdade de trabalho, a lei rodeou as limita- ções convencionais ao exercício da atividade profissional de certas cautelas, impondo a celebração por forma escrita, um limite máximo de duração e a restrição do seu objeto a atividades verdadeiramente prejudiciais, além de garantir ao trabalhador uma compensação pelas limitações ao exercício da atividade profissional. Deve ainda lembrar-se que os pactos de não concorrência desempenham uma função preventiva do maior relevo. É que, na prática, nem sempre é fácil distinguir entre as situações ilícitas de utilização de informações reservadas e o normal exercício dos conhecimentos profissionais e técnicos que passaram a integrar o patri- mónio profissional do trabalhador (lembre-se o exemplo há pouco referido sobre a utilização de informações acerca da carteira de clientes do primitivo empregador). Limitando as possibilidades de exercício de atividades concorrenciais, os pactos de não concorrência evitam essas dificuldades.” A ponderação de interesses a que o legislador procedeu ao admitir, em termos condicionados, a cele- bração de pactos de não concorrência, também é assinalada por Monteiro Fernandes ( obra e local citados ): de um lado, estão os interesses do empregador de “evitar que um concorrente venha a utilizar informações, conhecimentos ou recursos (como a clientela) a que o trabalhador teve acesso pela especial posição que detinha na empresa de onde agora parte” e de “evitar o desperdício de meios investidos na qualificação pro- fissional do trabalhador”; mas, por outro lado, os interesses do trabalhador são tidos em consideração: (i) ao exigir-se que a celebração do “pacto” conste de documento escrito, tendo em conta a gravidade do ato; (ii) ao condicionar-se a licitude do pacto ao risco efetivo de prejuízos para o empregador, derivados do exercício da atividade do trabalhador para além do momento em que cesse o contrato de trabalho – condição que “tem que ser encarada com cautela”, pois “o «prejuízo» de que aqui se trata refere-se aos objetivos económicos do ex-empregador, à sua clientela e ao seu volume de negócios”, não estando “legitimada a existência de pacto de não concorrência” naquelas situações em que “a saída do trabalhador e a sua passagem para outra empresa pode ter um genérico efeito prejudicial nos interesses do ex-empregador”; (iii) ao impor-se que o trabalhador seja economicamente compensado pela limitação de atividade a que se obriga; e (iv) ao limitar-se temporal- mente esta restrição ao exercício da atividade profissional. Atenta esta regulamentação legal, a generalidade da doutrina conclui pela não inconstitucionalidade da figura em causa, concluindo Pedro Romano Martinez ( obra citada , p. 604, nota 3) que “o pacto de não con- corrência, apesar de limitar a liberdade de trabalho, não se pode considerar inconstitucional, porque restringe justificadamente uma liberdade e, além disso, a limitação não é absoluta, pois, atendendo ao disposto no artigo 81.º, n.º 2, do Código Civil, o trabalhador pode, a todo o tempo, desvincular-se desde que compense os inerentes prejuízos”. Júlio Manuel Vieira Gomes (“As cláusulas de não concorrência no direito do trabalho (Algumas ques- tões)”, in Revista de Direito e de Estudos Sociais, ano XXXX (XIII da 2.ª Série), 1999, pp. 740, republicado, com aditamentos, em Juris et De Jure – Nos vinte anos da Faculdade de Direito da Universidade Católica Por- tuguesa – Porto, edição da Universidade Católica Portuguesa (Porto), Porto, 1998, pp. 933-968) dá conta de que, noutros ordenamentos jurídicos, têm sido expressas dúvidas quanto à constitucionalidade destas cláusulas: em Itália, por Giuseppe Mancini e por Giuseppe Pera, que chamam a atenção para a limitação que delas deriva para a liberdade de desvinculação do trabalhador, sustentando o primeiro que o valor da

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