TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
220 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL desde que justificados em função de interesses constitucionalmente relevantes e desde que não sejam excessivos. Na verdade, as limitações em causa podem revestir “natureza e intensidade muito diversas, devendo o crivo da proporcionalidade ser tanto mais exigente quanto mais intrusiva for a restrição legal” (vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada , tomo I cit. , anotação VII ao artigo 47.º, p. 971; sobre a limitação diferenciada da liberdade de conformação do legislador neste domínio, em especial apelando à chamada «teoria dos degraus» desenvolvida pela jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal alemão, vide além destes Autores, ibidem , pp. 969-971; Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada , vol. I, cit., anotação V ao artigo 47.º, pp. 656-657; e Rogério Ehrhardt Soares, “A Ordem dos Advogados. Uma Corporação Pública” in Revista de Legislação e de Jurisprudência , ano 124.º, pp. 228-230)». 10. A Constituição não se limita a acolher, no quadro dos direitos, liberdades e garantias, a liberdade de escolha e de exercício de profissão ou género de trabalho, consagrada no artigo 47.º n.º 1 – preceito direta- mente aplicável e vinculativo para entidades públicas e privadas –, acolhendo ainda, agora no catálogo dos direitos e deveres económicos, o direito fundamental ao trabalho, cuja violação é igualmente invocada pela recorrente. O trabalho releva, assim, quer enquanto liberdade de escolha e de exercício de uma atividade profis- sional, em conformidade com o disposto no artigo 47.º, quer como direito social, previsto no artigo 58.º. Simplesmente, enquanto o direito a escolher e exercer determinada atividade laboral se afirma, em primeira linha, na sua dimensão defensiva – originando a correlativa vinculação das entidades públicas a uma proibi- ção de não ingerência – o direito ao trabalho apresenta-se essencialmente como um direito a ações positivas, isto é, um direito que «vale antes como uma imposição aos poderes públicos, sempre dentro de uma reserva do possível, no sentido da criação das condições, normativas e fáticas, que permitam que todos tenham efeti- vamente direito ao trabalho» (Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, I, 2.ª edição, Coimbra, 2010, p. 1139). Assim vistas as coisas, percebe-se bem que seja apenas à luz do parâmetro extraível do n.º 1 do artigo 47.º que faz sentido problematizar a conformidade constitucional da norma que permite às partes conven- cionar, no âmbito do contrato de agência, uma obrigação de não concorrência com eficácia pós-contratual. Com efeito, o que nessa norma vai implicado é uma afetação, ainda que convencionada, da liberdade de exercício de determinada atividade profissional – no caso, a liberdade do agente promover, dentro da zona ou círculo de clientes que lhe havia sido confiado no âmbito do contrato, a celebração de negócios, a favor do próprio ou de outrem, que concorram com aqueles a que o principal continua a dirigir a sua atividade –, e não, mais amplamente, o incumprimento pelo Estado do mandato de criação das condições necessárias para que cada um «possa prover às necessidades de uma vida digna», a que o vincula o artigo 58.º da Constituição (cfr. Acórdão n.º 635/99). O problema da constitucionalidade dos pactos de não concorrência deve ser equacionado, em suma, não à luz do artigo 58.º, mas antes em face do artigo 47.º da Constituição (neste sentido, vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, ob. cit., p. 824), perspetiva em que, conforme se verá em seguida, não deixou de ser encarado (ou de ser encarado também) no Acórdão n.º 256/04, que se pronunciou pela não inconstitucionalidade da norma do n.º 2 do artigo 36.º do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho (LCT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49 408, de 24 de novembro de 1969, atualmente integrada, depois de algumas modi- ficações, no artigo 136.º do Código do Trabalho. 11. A questão de constitucionalidade que integra o objeto do presente recurso tem óbvias afinidades com aquela que foi apreciada no Acórdão n.º 256/04, acima mencionado, aresto no qual se concluiu consti- tuir uma «restrição à liberdade de trabalho» constitucionalmente admissível, à luz do princípio da proibição do excesso extraível do artigo 18.º, n.º 2, da Constituição, a possibilidade de estipulação de cláusulas de não concorrência no âmbito do contrato de trabalho, nos termos em que a mesma era então admitida pelo n.º 2 do artigo 36.º da LCT. Isto é, com vigência limitada ao período máximo de três anos subsequentes à cessação
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