TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
212 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Declaração de inconstitucionalidade dos art. os 9.º n.º 1 e 2 do Decreto-Lei 178/86, de 3 de julho quando interpretados no sentido de que é inconstitucional estabelecer um pacto de não concorrência, após a cessação do contrato, por um período máximo de dois anos, na medida em que ninguém pode ser impedido de exercer uma profissão para a qual esteja habilitado por violar os art. os 47.º n.º 1 e 58.º n.º 1 ambos da Constituição da República Portuguesa e simultaneamente colidir com princípios de ordem pública na medida em que restringem direitos indisponíveis, e que toda a limitação voluntária ao exercício dos direito de personalidade é nula, se for contrária à ordem pública nos termos do disposto no art.º 81º n.º 1 do Código Civil. Sempre com o merecido respeito por diverso entendimento, entendem as AA/recorridas que não assiste qual- quer razão à R/recorrente. Vejamos: Determina o art.º 9º do Decreto-lei nº 178/86, de 3 de julho, na redação em vigor, o seguinte: “1- Deve constar de documento escrito o acordo pelo qual se estabelece a obrigação de o agente não exercer, após a cessação do contrato, atividades que estejam em concorrência com as da outra parte. 2- A obrigação de não concorrência só pode ser convencionada por um período máximo de dois anos e circunscreve-se à zona ou ao círculo de clientes confiado ao agente”. Ou seja, deste normativo decorre que as partes, por acordo, estipulem a obrigação de não concorrência no contrato de agência, deverão fazê-lo mediante documento escrito e não podendo aquela exceder dois anos, circuns- crevendo-se à zona ou círculo de clientes confiados ao agente. O fundamento de tal cláusula/pacto de não concorrência reside na proteção do saber fazer transmitido pelo agenciado, impedindo-se o agente ou subagente, durante certo tempo após a rutura do contrato de desenvolver atividade idêntica àquela que desempenhava por força do contrato de agência, na mesma zona geográfica em que atuou. Será, assim, sempre à luz da ideologia e bens jurídicos protegidos no âmbito da relação de agência, que deverá ser aferida a conformidade das normas em causa com a Constituição da República Portuguesa. Haverá, pois, que atender aos bens jurídicos subjacentes à autonomia privada, à liberdade contratual e às regras da sã concorrência no mercado, que se haverá que dirimir esta questão. E não, conforme erradamente o faz a R/recorrente, por apelo a um juízo simplista de analogia com o regime aplicável a uma relação laboral, desde logo porque nem as normas jurídicas sancionadas, nem o concreto pacto de não concorrência em causa se manifestam e aplicam numa relação jus laboral. Entendem, assim, as AA/recorridas que a interpretação extensiva conferida pela recorrente ao art.º 9ª Decreto- -Lei n.º 178/86, de 03.07, ao pretender aplicar, para efeitos de aferição da sua conformidade com a Constituição da República Portuguesa, o mesmo regime aplicável aos pactos de não concorrência em sede de direito laboral, é uma interpretação verdadeiramente contra legem e contra a própria unidade do sistema jurídico. Não fará qualquer sentido argumentar-se que se trata de uma situação análoga ao pacto de não concorrência prevista em sede jus laboral, e em que estão em causa, também em sede de regime de agência/representação comer- cial, os mesmos interesses ali tutelados – concretamente princípio da liberdade de trabalho e de iniciativa privada e a sua proteção constitucionalmente consagrada – porquanto, se se atentar ao teor do preâmbulo do Decreto-Lei n.º 178/86 ali está plasmado um claro intuito do legislador em dissociar-se e distinguir-se do regime jus laboral (veja-se os considerandos vertidos no ponto 3 e 4 do citado preâmbulo). Ademais, sempre se deverá atentar que este diploma legal foi objeto de relevantes alterações em 1993 – mediante o Decreto-lei n.º 118/93, de 13 de abril, fruto da necessidade de transposição da Diretiva 86/653/CEE, do Conselho, de 18/12/1986, relativa à coordenação do direito dos Estados-membros sobre agentes comerciais. Com efeito, se se apelar, a uma interpretação da lei consonante com a unidade do sistema jurídico, então jamais se poderá deixar de atender ao diploma legal, de natureza comunitária, que não só deu origem ao Decreto-Lei
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