TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

189 acórdão n.º 116/20 13. É certo que, neste aresto, o Tribunal Constitucional veio a concluir que a norma que impõe a obrigatoriedade de pagamento do remanescente da taxa de justiça ao réu que venceu totalmente o processo, obrigando-a a pedir o montante que pagou em sede de custas de parte, resultante do artigo 14.º, n.º 9, do RCP, se revela uma solução inconstitucional, na medida em que comprime excessivamente o direito funda- mental de acesso à justiça, previsto no artigo 20.º, n.º 1, da Constituição, impondo um ónus injustificado face ao interesse público em presença. Contudo, para a formulação de tal juízo foram determinantes as especificidades do caso então analisado, salientadas no ponto 20 de tal Acórdão, nos seguintes termos: «20. Mais complexa se afigura, porém, a resposta referente à análise sobre a proporcionalidade stricto sensu desta solução legislativa. Desde logo por não dever ignorar-se as especificidades que caracterizam a situação do réu que, no final do processo, vem a ser absolvido do pedido. A sua posição é diferente da assumida pelo autor da ação. Na verdade, não traduzindo a dispensa do pagamento prévio de parte da taxa de justiça qualquer forma de isenção, mas antes um mero adiamento do momento em que a parte será obrigada a liquidá-la, como contrapartida do serviço de justiça por si impulsionado, não oferece difi- culdade de maior aceitar que o autor, mesmo tendo tido ganho de causa, total ou parcialmente, deverá proceder, no final da ação, após a elaboração da conta, ao pagamento da sua própria taxa, ou seja, do remanescente de que foi previamente dispensado. Quando se exige do autor que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte, do que se trata é de prevenir a transferência da responsabilidade individual dos sujeitos processuais para a comunidade. Nesta situação, a taxa de justiça que o autor como parte vencedora pagar deverá poder ser-lhe reembolsada pelo réu, parte vencida, a título de custas de parte. Com efeito, e abstraindo do respetivo montante, segmento normativo que não cumpre aqui analisar, assente que está a garantia genérica que nenhum cidadão pode ser privado do acesso ao direito e aos tribunais por razões de ordem financeira, designadamente através da concessão da proteção judiciária aos que dela necessitam, aceita-se que uma parte dos custos da justiça atinente a interesses patrimoniais e de natureza económica possa ser suportada por quem a ela recorre e dela retira benefícios e não pela generalidade dos cidadãos. Haverá razões que justifiquem a opção no sentido de ser a parte que litigou na ação que desencadeou a suportar a contrapartida do serviço público prestado e não a comunidade. Compreende-se que se exija a quem recorre à justiça ( i. e. , ao autor) que garanta o pagamento da taxa de justiça ainda em dívida, com o ónus de subsequentemente reaver tal quantia do réu, a título de custas de parte. Idêntica justificação já não é possível, porém, utilizar no que respeita a quem é acionado, sobretudo quando tem ganho final de causa. O réu é chamado à demanda, ficando designadamente sob o ónus de apresentação da contestação indispensável a prevenir a condenação no pedido. Se o réu que apenas dá resposta ao impulso proces- sual do autor, meramente defendendo-se, obtém a absolvição a final relativamente à totalidade do pedido – o que significa o desmerecimento da causa que o levou aos tribunais –, não se pode sustentar que tenha causado custos significativos à administração da Justiça. Ora, quando se exige a quem não recorreu à justiça – nem dela procurou retirar qualquer benefício –, tendo sido absolvido da pretensão do autor, o pagamento de parte substancial dos seus custos, surge um problema de justificação ao nível do custo-benefício. Numa tal ponderação a desproporção torna- -se evidente na exigência do pagamento da taxa na dimensão que excede a taxa de justiça inicialmente paga – cujo pagamento é sempre legalmente exigido por necessariamente corresponder a uma ideia do custo básico inerente a uma litigância normal. Esta ideia de normal litigância está aliás pressuposta na dispensa de pagamento do rema- nescente da taxa prevista no n.º 7 do artigo 6.º do RCP. Com efeito, é precisamente com base em critérios como a “complexidade da causa” e a “conduta processual das partes” que o juiz pode fundamentar a dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça nas causas de valor superior a € 275 000. O réu, neste caso, não teve uma conduta que justifique o pagamento de custos que em muito ultrapassam a utilização que fez do sistema de justiça. Nestas circunstâncias fazer depender da apreciação judicial a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça não constitui remédio suficiente para prevenir o excesso da medida

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