TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
185 acórdão n.º 116/20 medida, os réus pagaram inicialmente, a título de taxa de justiça, o valor de € 1 632 (isto é, o valor de 16 unidades de conta vezes € 102), correspondente ao valor processual de € 275 000. No entanto, uma vez que o valor da causa era superior a este último, foi diferido para final e considerado na conta de custas o remanes- cente da taxa de justiça (cfr. o artigo 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do RCP). Pelo que, sendo o valor total de taxa de justiça devida, atento o valor da causa, € 5 304, foi considerado na conta, a esse título, o valor remanescente em dívida de € 3 672. Por outro lado, o pagamento do remanescente da taxa de justiça poderá ser dispensado, conforme men- cionado, nos termos da 2.ª parte do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, caso o juiz, de forma fundamentada, entenda que a especificidade da situação o justifica, «atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes». No entanto, não tendo os réus, anteriormente à sentença final, requerido tal dispensa, nem tendo o juiz oficiosamente dispensado o pagamento em causa, foi o referido montante considerado na conta final, elaborada nos termos dos artigos artigo 29.º, n.º 1, e 30.º do RCP (cfr. o artigo 6.º, n.º 7, 1.ª parte, do mesmo normativo). 11. Neste circunstancialismo, e depois de analisar o regime das custas processuais então vigente, o tribu- nal a quo recusou aplicação, com fundamento em inconstitucionalidade, à «norma constante do nº 9 do art.º 14º do RCP, segundo a qual a parte vencedora é responsável a final pela sua quota-parte do remanescente da taxa de justiça». Justificou tal decisão nos termos seguintes: Para obviar à imposição de um sacrifício demasiado à parte que irá sair vencedora estabeleceu-se que, na pen- dência da ação, só releva para o pagamento da taxa de justiça o valor da ação até determinado limite – no momento, 275 000 € (art.º 6.º, n.º 7, do RCP) – relegando-se para final (depois da condenação em custas) a liquidação e pagamento do remanescente. Ou seja, durante a pendência de ação de valor superior àquele montante, as taxas de justiça devidas calculam-se apenas por referência àquele limite. Para obviar à desproporção entre o montante da taxa de justiça face à atividade de administração da justiça prestada estabeleceu-se, na mesma disposição legal, o poder-dever do juiz de a final formular um juízo de proporcionalidade relativamente ao montante da taxa de justiça resultante da aplicação da tabela e, em consequência, dispensar, total ou parcialmente, o seu pagamento. Dito de outra forma: nas ações com valor até 275 000 € parte-se do princípio que, regra geral, a aplicação das tabelas de cálculo da taxa de justiça satisfazem os padrões de proporcionalidade quer quanto ao sacrifício exigido à parte que irá sair vencedora, quer quanto ao montante final da taxa de justiça a cobrar por processo (...). Estabelecidos estes limites afigurar-se-ia que o sistema poderia funcionar sem sobressaltos e com simplicidade. Na pendência da ação todos os sujeitos processuais têm de contribuir para os encargos com o funcionamento do sistema de justiça, até uma justa medida, e sem prejuízo de a final poderem recuperar o que despenderam por conta da responsabilidade do responsável final pelas custas, a quem será imputada a responsabilidade do pagamento das custas que, por força dos pagamentos efetuados durante a pendência da causa, ainda se mostrem devidas. Ocorre, porém, que o legislador veio introduzir no sistema um fator de perturbação, irracionalidade mesmo, ao determinar que mesmo no caso de a parte não vir a ser condenada nas custas deverá, logo após a decisão que põe termo à causa (e que necessariamente define quem é o responsável pelas custas) proceder ao pagamento da taxa de justiça remanescente correspondente ao seu impulso processual – art.º 14.º, n.º 9, do RCP. Ou seja, apesar de ter tido ganho de causa e, consequentemente, não ser o responsável pelas custas e condenado no seu pagamento, a parte tem de proceder ao pagamento do remanescente da taxa de justiça correspondente ao seu impulso processual (em cujo pagamento a parte vencida acabou de ser condenada, note-se). Chama-se isso, em português claro, dar com uma mão e tirar com a outra. Limitou-se o pagamento da taxa de justiça na pendência da causa ao limite dos 275 000 € para não impor um sacrifício desproporcionado àquele que irá ser vencedor e quando o mesmo vê determinada a sua condição de vencedor impõe-se-lhe o sacrifício que se dizia querer evitar. Comportamento esse que, se se não estranha por se inserir na voracidade e rapacidade que têm vindo a caracterizar toda a atividade de natureza fiscal do Estado Português nos últimos anos, não pode deixar de merecer uma censura ética e política (a ser levada a cabo pela cidadania que não pelos tribunais).
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