TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

171 acórdão n.º 115/20 de inocência com “desvalor constitucional” (ponto 16). Contudo, naquele caso, esta constatação foi feita durante a realização do teste de proporcionalidade do regime aí analisado, na vertente do subprincípio da proporcionalidade, que, ao fim, não levantou uma desconformidade constitucional passível de fundamentar a sua incompatibilidade com a Constituição. Com efeito, para o deslinde do presente recurso, o que releva do condicionamento do efeito suspensivo é um aspeto distinto, tendo em consideração que o sacrifício da presunção de inocência, presente na dimen- são normativa, concretamente delimitada, que constitui o objeto destes autos, – independentemente da sua intensidade e, consequentemente, da sua proporcionalidade – está na órbita competencial do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição, sendo assente que o princípio da presunção de inocência, constante do artigo 32.º, n. os 2 e 10, abrange um direito fundamental enquadrável na categoria dos direitos, liberdades e garantias. Assim, qualquer restrição sobre o mesmo, por mais ténue que possa considerar-se, recairá sempre na esfera reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Há, é certo, uma outra possibilidade, constitucionalmente prevista no mesmo dispositivo: a Assembleia da República pode autorizar o Governo a legislar sobre os direitos, liberdades e garantias. Porém, no caso concreto do Decreto-Lei n.º 74/2014, não houve qualquer autorização parlamentar para permitir que o Poder Executivo do Estado avançasse com a produção legislativa de uma norma como a que se encontra no artigo 43.º, n.º 4, desse diploma. Não pode, de facto, afirmar-se que tal autorização legislativa conste dos artigos 3.º e 4.º, ou mesmo do artigo 7.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de Agosto (Lei-Quadro das Entidades Reguladoras), na medida em que aquelas normas se limitam a definir a natureza jurídica e requisitos de funcionamento institucional e administrativo das Entidades Reguladoras (caso dos artigos 3.º e 4.º) e a autorizar o Governo a “definir e aprovar por decreto-lei os estatutos da entidade reguladora”, com obrigatoriedade de inclusão de um conjunto de elementos concretos, mas sem que em parte alguma se aluda a uma autorização legislativa para legislar em matéria de direitos, liberdades e garantias, em geral, ou sobre o direito de acesso à justiça e o princípio da presunção de inocência, em particular (artigo 7.º). Por estas razões, é forçoso concluir que houve, no processo legislativo conducente à adoção da norma objeto do presente recurso, ofensa da reserva de competência legislativa determinada pela alínea b) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição da República Portuguesa. Não obstante, decorre, ainda, da fundamentação do Acórdão n.º 74/19, já mencionado e plenamente aplicável ao caso em apreço, a inobservância do parâmetro da alínea d) do mesmo dispositivo constitucional. Retomando a expressão daquele aresto: “A norma em apreço, relativa ao efeito do recurso judicial em condenação por infração contraordenacional, foi editada pelo Governo ao abrigo da sua competência legislativa geral, prescrita no artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, da qual decorre, como se viu, habilitação legiferante para a definição das normas secundárias do regime processual contraordenacional em questão. Coloca-se, pois, a questão de saber se a solução normativa instituída se conteve nesse âmbito, sem atingir uma das traves mestras em que assenta o regime geral dos ilícitos de mera ordenação social. A resposta não pode deixar de ser negativa. 12. O Regime Geral das Contraordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outu- bro, não contém diretamente no seu enunciado a disciplina sobre a matéria do efeito do recurso judicial da decisão final condenatória proferida pela entidade administrativa. Conforme entendimento doutrinário e jurisprudencial uniforme, essa matéria encontra-se compreendida na remissão operada pelo artigo 41.º, n.º 1, do RGCO, para a aplicação subsidiária, com as devidas adaptações, dos «preceitos reguladores do processo criminal» (e não apenas as normas contidas no Código de Processo Penal), designadamente, para a norma da alínea a) do n.º 1 do artigo 408.º do CPP, que consagra o efeito suspensivo da decisão condenatória, implicando que esta, por via de princípio, não pode ser executada sem prévia decisão do recurso. A afinidade estrutural e material entre os dois ramos do direito sancionatório público, subjacente ao mecanismo de reenvio normativo, encontra manifestação plena na matéria do efeito do recurso e exequibilidade da decisão impugnada, pela sua fundamentalidade, integrando opção

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