TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

170 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Tendo o Decreto-Lei n.º 126/2014 sido elaborado pelo Governo no exercício da sua competência legislativa geral, ao abrigo do artigo 198.º, n.º 1, alínea a) , da Constituição, o Acórdão n.º 74/19 conside- rou que cumpria averiguar se a dimensão normativa então assacada respeitaria os limites da natureza geral da atividade legiferante acometida aos poderes governamentais. Sem dúvida, determinou o aresto que, à luz do artigo 58.º do Regime Geral das Contraordenações, em que estão fixados os critérios que devem ser seguidos pelas decisões que apliquem coimas ou sanções acessórias, “ o legislador governamental, ao estipular como regime-regra da impugnação judicial o efeito devolutivo, veio regular matéria coberta pelo regime geral do processo contraordenacional, que alterou no âmbito regulatório da saúde, sem que se encontrasse creden- ciado por autorização parlamentar, infringindo, desse modo, a reserva relativa de competência da Assem- bleia da República, estabelecida pela alínea d) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição” (destacado). Nesta conformidade, o acórdão decidiu declarar inconstitucional, com força obrigatória geral, a norma do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos da ERS, no sentido em que determina que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolu- tivo, ficando a atribuição de efeito suspensivo sujeita à prestação de caução e alegação de prejuízo considerá- vel, para o recorrente, decorrente da execução da decisão, por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, constante do artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) , em conjugação com o artigo 32.º, n. os 2 e 10, ambos da Constituição. c) Mérito 13. Analisada a jurisprudência do Tribunal Constitucional sobre a atribuição de efeito suspensivo, em impugnações judiciais, às decisões de autoridade reguladora que apliquem coimas, mediante a prestação de caução, importa passarmos à apreciação do mérito do presente recurso. Comecemos pela questão de inconstitucionalidade orgânica do artigo 43.º, n.º 4, dos Estatutos da AMT (aprovados pelo Decreto-Lei n.º 78/2014 e alterados pelo Decreto-Lei n.º 18/2015), por violação da reserva de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) , conjugado com o artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição da República Portuguesa. Como exposto no seu preâmbulo, o Decreto-Lei n.º 78/2014 foi adotado pelo Governo para reestruturar a regulação dos transportes terrestres, fluviais e marítimos, e das suas infraestruturas, culminando na substituição, em tais matérias, do antigo Instituto da Mobilidade e dos Transportes, I.P. (IMT, I.P.) pela Autoridade da Mobili- dade e dos Transportes. Nesse diapasão, o Governo baseou a sua ação legislativa nos artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto (Lei-Quadro das Entidades Reguladoras), e na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição. Com isso, decretou a aprovação dos Estatutos da AMT, bem como o regime regulatório a ele afeto. Resta verificar se, de facto, a instituição desse regime regulatório respeita os ditames constitucionais acerca da com- petência legislativa governamental. Como explicitado, o Governo fundamentou a validade formal da aprovação do Decreto-Lei n.º 78/2014 na alínea a) do n.º 1 do artigo 198.º da Constituição, segundo a qual o Governo tem competência para fazer decretos-leis em matérias não reservadas à Assembleia da República. Ocorre que, na esteira do aludido Acórdão n.º 74/19, temos que averiguar se o poder legiferante em causa comporta a definição dos efeitos do recurso judicial impugnatório de condenação por infração contraordenacional, tal como fixado pelo artigo 43.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 78/2014. Para tanto, é necessário examinar a natureza dessa matéria, a fim de confirmar, ou infirmar, que a sua atribuição está, ou não, reservada à Assembleia da República. O Tribunal Constitucional já se pronunciou a esse respeito, mormente nos Acórdãos n. os  123/18 e 74/19, ambos já referidos. No primeiro, o Tribunal determinou, no contexto do setor energético, que a medida que estipula o condicionamento do efeito sus- pensivo do recurso contra aplicação de coima à efetiva prestação de caução contém um sacrifício da presunção

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=