TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

169 acórdão n.º 115/20 com força obrigatória geral da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatu- tos da Entidade Reguladora da Saúde (ERS), aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de agosto, no sentido em que determina que o recurso de impugnação das decisões finais condenatórias da ERS, que imponham uma coima, tem, por regra, efeito meramente devolutivo, ficando a atribuição de efeito suspen- sivo subordinada à prestação de caução e alegação de prejuízo considerável, para o recorrente, decorrente da execução da decisão. O parâmetro constitucional tido por ofendido era a reserva de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos do artigo 165.º, n.º 1, alíneas b) e d) , em conjugação com o artigo 32.º, n. os 2 e 10 da CRP. Recorda o Acórdão n.º 74/19 que “a norma constante do n.º 5 do artigo 67.º dos Estatutos da ERS é idêntica à que foi consagrada no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência (Lei n.º 19/2012, de 8 de maio) para as sanções aplicadas pela Autoridade da Concorrência; assume identidade com a dos n. os 4 e 5 do artigo 46.º do regime sancionatório do setor energético (Lei n.º 9/2013, de 28 de janeiro), relativamente às sanções aplicadas pela Entidade Reguladora do Setor Energético; e também com a norma do n.º 4 do artigo 43.º dos Estatutos da Autoridade de Mobilidade e dos Transportes, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 78/2014, de 14 de maio (também ele emitido com o propósito de dar cumprimento à obrigação de adaptação à lei quadro das entidades reguladoras, editada em 2013)”. No entanto, afirma também que “o afastamento do efeito suspensivo do recurso enquanto regime-regra não é transversal a todos os regimes contraordenacionais atinentes a entidades reguladoras. Conservam o modelo geral de atribuição de efeito suspensivo à impug- nação das sanções por elas aplicadas, os recursos de decisões da Autoridade Nacional de Comunicações que imponham coimas (artigo 51.º, n.º 3, dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 39/2015, de 16 de março); os recursos de decisões da Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (artigo 416.º do Código de Valores Mobiliários); da Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (artigo 52.º dos Estatutos, aprovados pela Lei n.º 10/2014, de 6 de março); da Autoridade Nacional da Aviação Civil (artigo 41.º, n.º 2, dos Estatutos, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 40/2015, de 16 de março); e da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (artigo 209.º da Lei n.º 147/2015, de 9 de setembro)”. Ora, para o que interessa no presente, a específica dimensão normativa dos Estatutos da ERS acerca da atribuição de efeito suspensivo para as coimas por si aplicadas foi, como destacado, diversas vezes, julgada inconstitucional por ofensa à reserva de competência legislativa da Assembleia da República. Isto porque, segundo a jurisprudência do Tribunal Constitucional, a limitação da natureza dos efeitos do recurso – neste caso, de suspensão – constitui uma restrição a direitos, liberdades e garantias, em especial, ao princípio da presunção de inocência. Também o confirmou o acórdão em apreço, asseverando que a norma atacada, efe- tivamente, “constitui uma supressão de tal garantia constitucional”. Assim, concluiu impor-se a aplicação do artigo 165.º, n.º 1, alínea b) , da Constituição da República Portuguesa, restaurando a exclusiva compe- tência da Assembleia da República nesta matéria. Como não foi concedida autorização ao Governo para que legislasse em tal âmbito concreto, o regime positivado – Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014 – enfermou de inconstitucionalidade orgânica. Além disso, porém, o Tribunal assinalou que o regime em causa violava, igualmente, outro parâmetro constitucional, a saber, a parte final da alínea d) do mesmo n.º 1 do artigo 165.º, na medida em que “é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, definir a natureza do ilícito, a tipologia sancionatória dos ilícitos contraordenacionais, fixar os limites mínimo e máximo das coimas, assim como definir as linhas gerais da tramitação processual a seguir para a aplicação concreta de tais sanções. Significa isto que o Governo só pode editar normas, que façam parte do regime geral das infrações contraordenacionais, desde que munido de autorização legislativa, podendo legislar, sem neces- sidade de autorização parlamentar, fora desse regime geral, designadamente, na criação de concretos ilíci- tos contraordenacionais e fixação da moldura das coimas que cabem a cada infração, desde que se mova dentro dos limites da lei de enquadramento, e bem assim na estatuição de regras secundárias do processo contraordenacional correspondente”.

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