TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

167 acórdão n.º 115/20 rapidamente possível; ao arguido interessa que a execução da coima seja justa, isto é, que se inicie após o trân- sito em julgado da impugnação judicial, para que haja segurança de que não se sacrifica indevidamente o seu património. Não há dúvida que o efeito meramente devolutivo da impugnação, ao possibilitar a execução imediata da coima, protege a efetividade do poder sancionatório da Administração e que o efeito suspensivo, ao esperar pelo trânsito em julgado da coima, protege os interesses do acoimado”. Este recente Acórdão n.º 776/19 assenta os seus fundamentos nas mesmas razões acolhidas no prece- dentemente proferido Acórdão n.º 123/18, cujos contornos específicos analisaremos a seguir. De qualquer forma, releva, antes, perscrutar o conteúdo ipso jure da fundamentação em causa. Num primeiro eixo, a transposição dos fundamentos da decisão radicou no julgamento acerca da compatibilidade com a garantia constitucional de tutela jurisdicional efetiva e de acesso à justiça da solução legal que consagra a dependência de atribuição de efeito suspensivo, em impugnações judiciais de contraordenações, à prestação de caução. Nesse sentido, afirmaram os Acórdãos, a regra do efeito meramente devolutivo “implica uma restrição oblí- qua, na medida em que impõe um ónus significativo – a demonstração de prejuízo considerável e a prestação de caução substitutiva -, para a suspensão dos efeitos da decisão impugnada. Por outras palavras, a lei não interdita, mas condiciona, o acesso aos tribunais”. Apesar disso, entendeu o Tribunal que o ónus que impende sobre a suspensão da execução de uma decisão sancionatória impugnada não “onera o acesso aos tribunais para que estes apreciem a justeza da con- denação proferida e da sanção aplicada no procedimento contraordenacional; o que se onera é a obtenção de uma vantagem normalmente associada à impugnação judicial das decisões sancionatórias da Administração no âmbito de procedimento contraordenacional, mas que com ela indubitavelmente se não confunde”. Ora, não havendo obstáculo para se provocar a intervenção judicial, o referido ónus não atinge o direito de acesso aos tribunais, na medida em que não acarreta um prejuízo adicional para o acoimado na esfera da sua even- tual pretensão impugnatória. Já num segundo eixo, analisou-se a presunção de inocência, em conjugação com o princípio da propor- cionalidade. Neste particular, consignou-se que tal garantia, inscrita no n.º 2 do artigo 32.º da Constitui- ção, é aplicável também aos processos contraordenacionais, em razão do que prevê este dispositivo no seu n.º 10, e por ser um princípio material do Estado de direito democrático. Por conseguinte, até ao trânsito em julgado de uma sentença condenatória o arguido é presumido inocente, independentemente da natureza específica do processo sancionatório (ponto 14). O que importava confirmar, naquele processo, segundo o Tribunal, era se seria a exigência de prestação de caução de substituição um meio excessivo para alcançar as finalidades de cumprimento da sanção e de impedimento de manobras dilatórias. Concluiu-se, na ocasião, após o exercício de ponderação à luz da necessidade/exigibilidade, da adequação/idoneidade e da proporcio- nalidade em sentido estrido, que a solução legal engendrada era legítima e a mais eficaz para salvaguardar os bens jurídicos em destaque. Assim, o Acórdão n.º 776/19 resolveu a oposição de julgados, decidindo que o efeito consagrado no n.º 5 do artigo 84.º da Lei da Concorrência não ofende os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da presunção de inocência, em conjugação com o princípio da proibição do excesso e, por isso, não se afigura inconstitucional que a impugnação judicial de decisões da Autoridade da Concorrência que apliquem coima tenham, em regra, efeito meramente devolutivo, apenas lhe podendo ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução, em sua substituição. 10. Como já antecipado, as razões de decidir do Acórdão n.º 776/19 foram inspiradas na fundamenta- ção do Acórdão n.º 123/18. No entanto, é de salientar que os dois arestos não tratam exatamente da mesma matéria. Enquanto o primeiro abordou a validade constitucional do Regime Jurídico da Concorrência, o segundo versou sobre o Regulamento Sancionatório do Setor Energético. Nesta conformidade, passemos a analisar os contornos próprios do Acórdão n.º 123/18. O aresto também teve como origem um antagonismo jurisprudencial veiculado, por um lado, pelo Acórdão n.º 675/16 e, por outro, pelo Acórdão n.º 397/17. Neste, a norma extraída dos n. os 4 e 5 do artigo

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