TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
166 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL concretamente o efeito, do recurso da decisão sancionatória, em que a prestação da caução emerge como um ónus para o recorrente que pretenda obter o efeito suspensivo, e não a definição do regime de execução de uma medida antecipatória da sanção administrativamente imposta. A execução da coima é consequên- cia prática do regime que impõe a prestação de caução, não constituindo, porém, o seu conteúdo norma- tivo. Neste domínio, o arguido continua a presumir-se inocente até se tornar definitiva a decisão judicial relativa à impugnação da sanção contra si proferida, pelo menos prima facie . De facto, incidindo a questão de constitucionalidade sobre a disciplina do efeito do recurso, mais concretamente sobre a imposição de um ónus (imposição de prestação de caução) como condição da atribuição de efeito suspensivo ao recurso de impugnação da decisão sancionatória, é sobre esse ónus que deve incidir a avaliação de conformidade constitucional”. Nesse sentido, conquanto reconheça a ampla margem de conformação disponível ao legislador quanto ao acesso à jurisdição, os Acórdãos asseveram que o “ónus imposto ao recorrente pela norma sindicada reporta-se tão-somente ao efeito do recurso. No entanto, por sua causa, o recurso à via judicial para impug- nar a decisão administrativa só consegue impedir a imediata execução da sanção administrativa visada pela impugnação, provado que seja o “prejuízo considerável” que a sua execução causa, mediante a prestação de uma caução que substitua o pagamento da coima. Desta forma, a norma condiciona o efeito útil imediato da impugnação a um ónus que, afinal, se concretiza no cumprimento de uma prestação que equivale ao cum- primento da coima. Daqui resulta que, de facto, antes de contestar judicialmente a sanção aplicada, o sancio- nado é, na prática, obrigado a cumpri-la. Note-se o elevado nível de oneração imposto: não só é necessário demonstrar que a execução da decisão sancionatória causa ‘prejuízo considerável’ como, para além disso, é necessário prestar uma caução em sua substituição – tendo como consequência a concretização do referido prejuízo. A norma sindicada cria, na verdade, um obstáculo ao efetivo direito de tutela contra atos lesivos da administração pública que, por incidir sobre os efeitos da impugnação de uma medida sancionatória, se reflete negativamente na presunção de inocência garantida ao arguido”. Além de afirmar, in casu , que o princípio da proporcionalidade também não foi observado, porquanto a própria Lei da Concorrência prevê mecanismos menos gravosos para a consecução da finalidade a que se destina tal regulação, nomeadamente a suspensão da prática proibida ou medidas provisórias que restabele- çam a regularidade concorrencial, o acórdão abraça, igualmente, o fundamento segundo o qual a “desconsi- deração total da situação económica do visado onera desproporcionadamente o sacrifício infligido no direito fundamental do acesso à justiça individual para atingir o benefício de interesse público prosseguido”. Por outras palavras, a hipótese de prestação de caução de igual valor ao da sanção aplicada, que não pondere se os arguidos têm, ou não, meios para a satisfazer ofende o direito constitucionalmente consagrado de acesso aos tribunais. Assim, transpondo tais fundamentos – do Acórdão n.º 674/16 –, o Acórdão n.º 445/18 julgou inconsti- tucional a norma do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência, por determinar que ao recurso das decisões proferidas pela Autoridade da Concorrência que apliquem coimas apenas pode ser atribuído efeito suspensivo quando a execução da decisão cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução em sua substituição, por violação do princípio da tutela jurisdicional efetiva consagrado no artigo 20.º da Constituição, e concretizado, no âmbito da justiça administrativa, no artigo 268.º, n.º 4, da Constituição, entendido em articulação com o princípio da proporcionalidade previsto no artigo 18.º, n.º 2, e com o prin- cípio da presunção de inocência em processo contra-ordenacional, decorrente do artigo 32.º, n. os 2 e 10, da Constituição. 9. Como antecipado supra , a divergência jurisprudencial entre os Acórdãos n. os 445/18 e 376/16 foi sanada pelo Acórdão n.º 776/19, que cumpre agora analisar. Nesta senda, o Acórdão n.º 776/19 enfrentou o mérito da questão com base na especificidade dos regimes de contraordenação, cujos efeitos, em cada caso, têm “subjacente um conflito de interesses contrapostos: o da Administração e o do acoimado. À Admi- nistração interessa que a execução da coima seja célere e eficaz, isto é, que se inicie o mais cedo e o mais
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