TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
165 acórdão n.º 115/20 Importa destacar que, nesse Acórdão, o Tribunal entendeu que “não se justifica verificar se as normas sindicadas violam os parâmetros constitucionais invocados por não acautelarem a situação de um interessado que não disponha de meios económicos para prestar a caução que aí é imposta, por não ser essa a situação do caso e uma tal interpretação normativa não ter constituído ratio decidendi , mas um mero obiter dictum ”. Não obstante, quanto à extensão da análise constitucional, o aresto determinou que deveriam, naquele caso, ser “perspetivadas as especificidades constantes do regime consagrado na atual Lei da Concorrência para os processos de contraordenação intentados pela Autoridade da Concorrência, designadamente no que respeita à impugnação judicial das decisões proferidas no exercício dos seus poderes sancionatórios”. Relativamente ao mérito, entendeu o Tribunal, então, que a margem de conformação do legislador permite a modelação do acesso aos tribunais, desde que não sejam criados obstáculos excessivos e material- mente injustificados para a fruição de tal direito e, por outro lado, que “a atribuição de mero efeito devolu- tivo à impugnação judicial permite que, na sua pendência, a Autoridade da Concorrência execute a coima, consolidando-se no plano factual, apesar da impugnação contenciosa, a lesão do direito. A procedência do recurso, se tardia, não evitará a lesão efetiva do direito nem garantirá a sua plena reintegração. Porém, não parece que se possa extrair do princípio da tutela jurisdicional efetiva, mesmo estando em causa a impugna- ção contenciosa de atos administrativos lesivos dos direitos dos particulares, a imposição constitucional da regra do efeito suspensivo”. Isso significa que, atenta a natureza da Autoridade da Concorrência e do regime jusconcorrencial, no quadro do Direito da União Europeia, as coimas fixadas pela prática de infrações legalmente previstas neste domínio têm a finalidade de salvaguardar o interesse coletivo dos bens jurídicos submetidos a esta regulação administrativa. Neste concreto contexto, a possibilidade de prestação de caução, “pela forma e montante julgados adequados ao caso concreto pelo tribunal, permite acautelar os ponderados riscos de lesão efetiva do direito, em caso de procedência do recurso, sem comprometer a efetividade da sanção, no caso da sua improcedência. Deste modo, introduz-se no sistema uma «válvula de escape» que lhe retira rigidez e auto- maticidade, permitindo o balanceamento, que se crê razoável e proporcionado, entre a proteção da esfera individual do arguido e a realização do interesse público”. Assim, foi afastada a invocação de inconstitucio- nalidade à luz dos artigos 20.º, n.º 1, e 268.º, n.º 4, da Constituição. Quanto ao princípio da presunção de inocência, o Acórdão n.º 376/16 distinguiu o seu alcance entre a garantia dos n. os 2 e 10 do artigo 32.º da Constituição, concluindo que, embora tal norma não seja exclusiva do processo penal, no âmbito disciplinar ou contraordenacional o seu sentido não é equivalente no que toca às decisões condenatórias. Ou seja, não se pode transpor, sem mais, para a esfera das contraordenações, a imposição de verificação do trânsito em julgado das condenações (penais) para que sejam aplicadas as coi- mas, tendo em vista o sentido e o alcance distintos das garantias de processo em cada regime. Com isso, o Tribunal não julgou inconstitucional a norma extraída do artigo 84.º, n. os 4 e 5, do Regime Jurídico da Concorrência, permitindo que, neste quadro legal, só seja atribuído efeito suspensivo ao recurso jurisdicional, quando a execução da decisão contraordenacional cause ao visado prejuízo considerável e este preste caução. 8. Por sua vez, no Acórdão n.º 445/18, da 1.ª Secção, o objeto do recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade envolveu a recusa de aplicação da norma constante do artigo 84.º, n.º 5, do Regime Jurídico da Concorrência – isto é, parcialmente coincidente, em termos formais, mas totalmente análoga, em termos materiais, à norma objeto do Acórdão n.º 376/16. Ocorre que, neste caso, o tribunal a quo havia verificado a inconstitucionalidade de tal dimensão normativa, sob a égide dos mesmos preceitos examinados no processo antes visto, a saber, os artigos 20.º, n.º 1, 268.º, n.º 4, e 32.º, n.º 10, além do artigo 18.º, n.º 2, todos da Constituição da República Portuguesa. O Acórdão n.º 445/18, recordando a fundamentação do Acórdão n.º 674/16, que, diferentemente do Acórdão n.º 376/16, havia julgado inconstitucional a norma em apreço, remete a este mesmo juízo. A premissa de que partem os arestos é de que se trata “de normas que se limitam a estabelecer a disciplina,
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