TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

159 acórdão n.º 115/20 Posteriormente, quando da reintrodução do efeito suspensivo, essa alteração foi introduzida pela Lei n.º 72/2013, de 3 de setembro. 2.9. A atribuição de efeito devolutivo consiste numa alteração radical do regime geral em matéria fun- damental, não se estando, pois, perante “regras secundárias de processo contraordenacional” as quais, sim, o Governo poderia moldar. Assim, só a Assembleia da República ou o Governo, se para tal autorizado, estavam habilitados a editar uma norma com o conteúdo do artigo 67.º, n.º 5, dos Estatutos. Porém, essa habilitação não existe, não se vislumbrando na Lei n.º 67/2013, de 28 de agosto, qualquer autorização por genérica que seja, que conceda ao Governo competência para legislar da forma como o fez. Note-se, por outro lado, que a competência própria do Governo para legislar em matéria contraordenacio- nal e a obrigatoriedade de o fazer respeitando o RGCO, abrange todo o regime, aí se incluindo, naturalmente, as normas de natureza processual, mesmo aquelas que regulam o processo na sua fase administrativa, como se pode ver, por exemplo, pelo afirmado no Acórdão n.º 339/08, que poderá sumariar-se da seguinte forma: “* O artigo 181.º, do Código da Estrada, incluindo o seu n.º 4, regula o conteúdo obrigatório da decisão administrativa condenatória em matéria de contra-ordenações estradais, integrando, pois, o âmbito do direito processual contra-ordenacional. * Na alínea d) , do n.º 1, do artigo 165.º, da C.R.P., incluiu-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera orde- nação social e do respectivo processo. * No artigo 58.º do Regime Geral das Contra-ordenações enunciou-se o conteúdo obrigatório da decisão administrativa condenatória, nomeadamente a necessidade da mesma conter a descrição dos factos imputados, com indicação das provas obtidas. Uma vez que esta exigência visa garantir os direitos de defesa do acoimado, designadamente a possibilidade efectiva de impugnação judicial da decisão administrativa, entende-se que tal norma se insere no mencionado regime geral, cuja competência legislativa está reservada à Assembleia da República, não podendo, pois, a mesma ser alterada por diploma emanado do Governo, sem autorização parlamentar. Mas esta exigência de conteúdo não se estende à forma pela qual ela deve ser cumprida, desde que a forma escolhida não ponha em causa as finalidades visadas com essa exigência – a possibilidade do acoimado conhecer quais os factos por cuja prática lhe foi aplicada a coima e as respectivas provas. * A fundamentação mencionada na norma em causa diz respeito “à descrição sumária dos factos, das provas e das circunstâncias relevantes para a decisão.” Esta forma de fundamentação da decisão administrativa de aplicação duma coima, por remissão para o auto de notícia, no plano restrito da matéria de facto, continua a permitir que o acoimado tenha um conhecimento perfeito e completo dos factos e das provas que foram considerados para o condenar. * Assim, se o referido regime primário impõe que a decisão administrativa condenatória indique os factos e as provas que fundamentam a aplicação da coima, já a forma pela qual essa indicação pode ser feita, nomeadamente através de remissão para outra peça processual donde conste essa descrição ( v. g. , auto de notícia), escapa àquela normação primária, pelo que pode ser objecto de acto legisla- tivo do Governo, sem necessidade de autorização da Assembleia da República”. 2.10. Aqui chegados não podemos deixar de referir o Acórdão n.º 345/87, que apreciou uma questão de inconstitucionalidade com contornos idênticos à dos autos e julgou inconstitucional a norma do n.º 5 do artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 21/85, de 17 de janeiro, na parte em que, como condição do seguimento dos recursos judiciais contra a aplicação de coimas, exige o depósito prévio da coima a recorrentes que, por falta de meios, o não podem efectuar.    Pode ler-se nesse aresto:

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