TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

151 acórdão n.º 105/20 Ora, conforme referido, no sistema jurídico-constitucional português, os recursos de fiscalização con- creta, pese embora incidam sobre decisões dos tribunais, conformam-se como recursos normativos, ou seja, visam a apreciação da conformidade constitucional de normas ou interpretações normativas, e não das deci- sões judiciais, em si mesmas consideradas. Como amiúde salientado, não incumbe aoTribunal Constitucional apreciar os factos materiais da causa, definir a correta conformação da lide ou determinar a melhor interpre- tação do direito ordinário, sendo a sua cognição circunscrita à questão normativa que lhe é colocada. Assim, por imperativo do artigo 280.º da Constituição, objeto do recurso (em sentido material) são exclusiva e necessariamente normas jurídicas, tomadas com o sentido que a decisão recorrida lhes tenha conferido, sem que caiba ao Tribunal Constitucional sindicar a atuação dos demais tribunais, a partir da direta imputação de violação da Constituição – mormente no plano dos direitos fundamentais – por tais decisões. Na espécie, e quanto à primeiras duas questões, o problema de inconstitucionalidade reside, tal como é apresentado pelos recorrentes, em deficiente interpretação e «aplicação» do Regime Jurídico do Processo de Adoção, «nomeadamente dos artigos 60.º e ss.». Discorda-se, assim, do entendimento acolhido quanto à aplicabilidade dessa disciplina nos casos em que «concluído um processo de adoção, de acordo com as regras de determinado ordenamento jurídico, os pais (adotantes) optam por alterar o estado de residência de todo o agregado familiar, nele se incluindo, naturalmente, a criança adotada», consubstanciando, na realidade, o propósito de obter uma nova pronúncia sobre a aplicação do direito infraconstitucional, erradicando o que se considera constituir erro de julgamento. O vício invocado decorre, pois, da opção jurisdicional adotada no plano da interpretação e subsunção do direito infraconstitucional tido por aplicável, o que corresponde à imputação do vício de desconformidade constitucional ao ato de julgamento, em si mesmo, e não a qual- quer critério normativo que lhe tenha servido de suporte. Ora, uma tal cognição escapa manifestamente à apreciação, estritamente normativa, cometida ao Tribunal Constitucional. Por seu turno, remetendo para as considerações proferidas a propósito da nulidade arguida, o terceiro plano de questionamento encontra, de forma manifesta, o mesmo obstáculo material ao conhecimento. De facto, não é posto a controlo qualquer critério normativo extraído do artigo 3.º, n.º 1, alínea a) , do Estatuto do Ministério Público, antes manifestada discordância relativamente à decisão de interposição de recurso no caso vertente, por, no entender dos recorrentes, importar em atuação do Ministério Público «contra os interesses do menor que, alegadamente, representa». Ora, sobre esta matéria, que leva pressuposta a definição casuística do melhor interesse do menor, não assiste competência ao Tribunal Constitucional. Mostra-se, pois, acertada a decisão reclamada ao concluir pela inidoneidade do objeto conferido ao recurso, concluindo-se, por inverificação deste pressuposto, pela impossibilidade de conhecer do recurso, com a consequente improcedência da reclamação. 8.2. Diga-se, ainda assim, que também quanto ao segundo fundamento que suporta o não conheci- mento do recurso – inutilidade do recurso – falece razão aos reclamantes. Sustentam os recorrentes que o «acórdão do STJ de 6 de junho de 2019 – que rejeitou o recurso de uniformização de jurisprudência e que formalmente constitui a decisão recorrida –, constitui, para efeitos de admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, confirmação da decisão de aplicar normas inconstitucionais (…), [p]elo que o recurso interposto visa o conhecimento das questões de inconstitucio- nalidade suscitadas por referência ao acórdão de 14 de junho de 2018, tendo os reclamantes interposto, em primeiro lugar, recurso de uniformização de jurisprudência, sem (que tal possa) precludir o direito à interpo- sição de recurso para o Tribunal Constitucional». No caso, dúvidas não há que o acórdão do STJ de 6 de junho de 2019 é a única decisão judicial visada pelo recurso de constitucionalidade, face à identificação clara e inequívoca constante do segmento inicial do requerimento de interposição do recurso – «notificados do Acórdão proferido em Conferência em 6 de junho de 2019 (…) e com o mesmo não se podendo conformar, vem (…) interpor recurso para o Tribunal Constitucional» (sublinhado aditado) –, o que, aliás, é confirmado pela menção, na peça em apreço, de que o acórdão do STJ de 6 de junho de 2019 “formalmente constitui a decisão recorrida”.

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