TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
148 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL I. Por outras palavras, tomando em consideração a alteração de residência das crianças em causa para Portugal, entendeu o STJ que deveria então admitir-se como essencial a intervenção do Estado Português no próprio processo de adoção, nomeadamente, através, da Autoridade Central para a Adoção Internacional, tudo nos termos do disposto nos artigos 61.º e ss. do RJPA. J. Pese embora o n.º 4 do artigo 64.º do RJPA considere não deverem ser reconhecidas as adoções internacionais decretadas no estrangeiro sem a intervenção da Autoridade Central, tal não pode ser interpretado no sentido de permitir que esta mesma Autoridade tenha competência para intervir nos processos de adoção já findos noutro estado e que venham a ter, posteriormente, conexão com mais de um estado, por efeito de uma alte- ração de residência internacional. K. De acordo com o RJPA, o legislador considera verificar-se uma adoção internacional se, com o decretamento de tal adoção e por força da mesma, a Criança em causa altera o estado da sua residência para o local de resi- dência dos adotantes, não devendo, porém, interpretar-se tal norma no sentido da sua aplicação sempre que se verifique uma alteração da residência da Criança já adotada (e inserida já no contexto familiar dos seus pais adotantes) para um qualquer outro estado, o que designamos como alteração de residência internacional. L. Desta forma, uma interpretação do regime jurídico em causa que admita como essencial e necessária a inter- venção da Autoridade Central nos processos de adoção – sem diferenciar se a alteração de residência da Criança ocorreu por força do decretamento dessa mesma adoção ou por opção da família, da qual faz agora parte – está a admitir a “reabertura” desses mesmos processos, por uma entidade administrativa portuguesa, sempre que a família em causa pretenda alterar o local da sua residência para este estado. M. Em suma, entendem os ora Reclamantes que uma interpretação do disposto no já citado n.º 4 do artigo 64.º do RJPA que não diferencie as situações acima descritas, poderá traduzir-se numa clara violação do direito constitucional à família, mais ainda quando a própria Constituição da República Portuguesa, no n.º 7 do artigo 36.º, determina uma verdadeira proteção e consagração da adoção que pode, assim, e em determinados casos, ficar comprometida. N. Mais: a atribuição de poderes à Autoridade Central, nos termos acima referidos e no caso concreto, implica- ria, por si só, a violação do disposto nos artigos 2.º e 111.º da CRP. O. A referida Autoridade Central é uma entidade pertencente ao poder executivo do estado, não podendo, nessa medida, serem-lhe atribuídas quaisquer funções judiciais, sob pena de se permitir o controlo, por parte do poder executivo, do poder judicial, comprometendo a separação de poderes do Estado de direito e o cumpri- mento dos artigos 2.º e 111.º da CRP. F. Depois, entendem também os ora Reclamantes que pode ser considerado inconstitucional, por violação do disposto no artigo 219.º, n.º 1 da CRP, o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 3.º do Estatuto do Minis- tério Público, quando interpretado no sentido de que o Ministério Público tem legitimidade para interpor recurso, mesmo que contra os interesses do menor que representa. Q. Ora, de acordo com o RJPA, compete ao Ministério Público, nos processos de adoção, garantir o superior interesse das Crianças envolvidas, pelo que a representação a que se alude no artigo 3.º n.º 1 do EMP não pode traduzir-se numa atuação ilimitada, devendo interpretar-se tomando sempre em consideração a finali- dade pretendida pelo legislador (isto é, no caso concreto, o superior interesse da Criança), sob pena de, caso contrário, se pôr em causa o princípio constitucionalmente consagrado a este respeito. R. Em suma, o disposto no artigo 3.º n.º 1 alínea a) , deverá ser interpretado no sentido de só ser permitida a sua aplicação em conjugação com a demais legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, a representação do Minis- tério Público, em casos de adoção, por exemplo, só poderá ser admitida para defesa do superior interesse da criança. S. No caso concreto, o Ministério Público, ao optar por interpor recurso da decisão que confirma a sentença de adoção proferida pela Vara Cível do Tribunal Regional de Buba, demonstra uma clara despreocupação pelo superior interesse das crianças em causa que, ao abrigo da legislação portuguesa, deixam de se encontrar judicialmente confiadas a qualquer pessoa, nomeadamente, àqueles que são consideradas seus pais no orde- namento jurídico da Guiné-Bissau.
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