TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

138 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Adiante-se que, como refere o Sr. Procurador-Geral Adjunto, o recorrente, ora reclamante, não apre- sentou argumentos suscetíveis de justificar ou impor a reponderação do julgamento constante da decisão sumária reclamada. 8. A tese avançada pelo recorrente na peça em apreço assenta primacialmente no valor da liberdade, entendendo que a Lei Fundamental impõe o acesso a um outro (segundo) grau de recurso sempre que o arguido seja confrontado, em resultado da cognição de impugnação recursória apresentada por outro sujeito processual, com a imposição ex novo de pena privativa da liberdade. Não há como duvidar da primacialidade e relevo axiológico-normativo do direito à liberdade, bem jurí- dico-constitucional de primeira grandeza, cuja preservação encontra na Lei Fundamental garantias especial- mente intensas, nas quais se inscrevem nuclearmente as garantias de defesa em processo criminal, incluindo, com valor basilar e autónomo – mas não único –, o direito ao recurso. Assim o tem considerado a jurispru- dência constitucional que se pronunciou sobre diversas soluções normativas em matéria de (ir)recorribilidade pelo arguido de decisões condenatórias proferidas em recurso, de que é exemplo mais recente o Acórdão n.º 595/18, invocado pelo recorrente, onde se lê: «Independentemente de se poder ou não retirar do texto constitucional uma ordenação rígida de bens jurí- dicos, é incontestável que a Constituição dispensa uma tutela especialmente intensa ao direito à liberdade, que aprofunda o regime geral aplicável a todos os direitos fundamentais, contido no artigo 18.º São reveladoras desta posição de destaque do direito à liberdade as disposições contidas nos artigos 27.º e 31.º da Constituição. Desta forma, a Constituição perspetiva a pena de prisão – qualquer pena de prisão – como uma restrição muito grave do direito à liberdade do arguido. Do princípio da preferência pelas reações criminais não privativas da liberdade, corolário do princípio constitucional da necessidade e subsidiariedade da intervenção penal, resulta que a pena de prisão é uma sanção que só deve ser aplicada como ultima ratio , em concretização da ideia essencial da reintegração social e socialização do arguido condenado – que a jurisprudência constitucional identifica, na falta de disposi- ção constitucional expressa, a partir do princípio da dignidade da pessoa humana (artigos 1.º e 25.º, n.º 1) e das normas constitucionais constantes dos artigos 2.º, 9.º, alínea d) , e 18.º, todos da Constituição (vide, entre outros, os Acórdãos n. os 336/08 e 427/09, ponto 4). As disposições em questão revelam igualmente que a Constituição é tributária de uma tradição humanista e liberal em matéria político-criminal que rejeita tanto a pena de morte (no que Portugal foi pioneiro), como a pena de prisão perpétua (artigos 24.º, n.º 2, e 30.º, n.º 1) e tem horror à priva- ção injusta de liberdade. São emanações claras desse postulado de princípio a consagração expressa do mecanismo do habeas corpus e da indemnização por privação de liberdade ilegal (artigos 31.º e 27.º, n.º 5, da Constituição).» Contudo, resulta igualmente da jurisprudência constitucional que o respeito pelo direito ao recurso não significa que o legislador esteja constitucionalmente vinculado a assegurar a impugnabilidade pelo arguido de todas as decisões condenatórias proferidas em recurso, mesmo quando imponham reação sancionatória privativa da liberdade e imediatamente exequível. Constitui entendimento consolidado do Tribunal que o direito ao recurso, assegurado pelo artigo 32.º, n.º 1, da Constituição, não garante ao arguido um segundo grau de recurso em matéria penal, assistindo ao legislador democrático margem de liberdade na modelação do acesso por via de recurso ao tribunal judicial supremo, enquanto via de prossecução de outros direitos e interesses constitucionalmente tutelados, como sucede com a própria eficácia do sistema penal, que tem como condição a emissão de um julgamento final e definitivo em tempo razoável. É de reconhecer, assim, como interesse público legitimador da restrição do direito ao recurso, a neces- sidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça, por forma a impedir a paralisação do órgão, reservando a intervenção do tribunal cimeiro da orgânica judicial aos casos de maior merecimento penal, desde que preservado o núcleo essencial das garantias de defesa. Como se sublinhou no Acórdão n.º 324/13 (que se debruçou sobre a mesma dimensão normativa aqui em análise, embora no quadro do regime anterior

RkJQdWJsaXNoZXIy Mzk2NjU=