TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
134 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL por objeto a aplicação efetiva de uma pena de prisão não superior a 5 anos. Sendo precisamente esse o objeto do recurso, não se pode afirmar seriamente que a decisão tomada em sua apreciação possa constituir surpresa para o recorrido. E improcede, em segundo lugar, porquanto a decisão tomada no acórdão da Relação, que condena em pena de prisão não superior a 5 anos, resulta da reapreciação do caso por esse Tribunal superior, perante o qual o arguido recorrido tem ampla possibilidade de expor a sua defesa através da faculdade processual de resposta ao recurso. Pos- sibilidade essa que é efetiva, na medida em que, face a uma mesma imputação penal e à pretensão de aplicação de uma pena privativa de liberdade manifestada pelo recorrente, o arguido recorrido tem a oportunidade de defender perante o tribunal superior o seu direito à liberdade, sabendo antecipadamente que é precisamente esse o objeto do recurso que será julgado e que o tribunal superior está limitado na sua decisão quer pelo princípio da proibição da reformatio in pejus , quer pelo que tiver sido pedido pelo recorrente. Nessa medida, a decisão que, em recurso, venha a aplicar pena de prisão não superior a 5 anos, consubstancia a própria garantia do duplo grau de jurisdição, indo ao encontro direto dos fundamentos do direito ao recurso. 11. Também não procede o argumento segundo o qual o direito de defesa apenas está assegurado quando o arguido possa, ele próprio, recorrer da decisão que, pela primeira vez, o condene em pena privativa da liberdade. Tal entendimento, não só encara o direito ao recurso desligado dos seus fundamentos substanciais, como levaria também, em bom rigor, a resultados inaceitáveis. Se o direito ao recurso em processo penal não for entendido em conjugação com o duplo grau de jurisdição, sendo antes perspetivado como uma faculdade de recorrer – sempre e em qualquer caso – da primeira decisão aplicadora de pena privativa da liberdade, ainda que proferida em recurso, deveria então haver recurso do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça que aplicasse pena privativa da liberdade, na sequência de recurso interposto de decisão da Relação, que mantivesse a condenação mas não aplicasse uma tal pena. Resultado que ninguém aceitará, por razões que seria ocioso explicitar (cfr. o Acórdão n.º 424/09). 12. Importa ainda frisar que as razões que estiveram na base do julgamento de inconstitucionalidade alcançado no Acórdão 429/16 não são transponíveis para a avaliação da norma ora em análise, precisamente porque existe uma diferença substancial entre as questões colocadas ao Tribunal Constitucional. Como se salientou no aludido acórdão, «os elementos caracterizadores da norma que cumpre apreciar são o facto de, no caso presente, ter existido uma decisão absolutória da primeira instância que é revertida pela decisão do Tribunal da Relação e essa reversão resultar na condenação em pena de prisão efetiva». Considerou então o Tribunal que, num caso de reversão de absolvição para condenação em pena de prisão efe- tiva, o julgamento do recurso não assegura plenamente a reapreciação da matéria relativa às consequências jurídicas do crime, por a mesma constituir um segmento inovador do acórdão condenatório. Enquanto que nos casos abrangidos pela norma sindicada no Acórdão n.º 429/16, o direito de resposta ao recurso não permite um exercício efetivo do direito de defesa, já que exige do arguido absolvido em primeira instância um elevadíssimo grau de antecipação de todos os juízos e argumentos que podem conduzir a uma conde- nação – v. g. eventual alteração da matéria de facto, discussão do enquadramento jurídico dos factos e operações de determinação judicial da pena concreta e demais consequências do crime – para os poder contraditar, nas situações subsumíveis à norma em apreciação nos presentes autos o quadro é radicalmente distinto. De facto, no caso de recurso de decisão de primeira instância condenatória, que tenha aplicado pena não privativa da liberdade e em que o recorrente Ministério Público e/ou Assistente pugnem perante a Relação pelo agravamento daquela, o objeto do recurso encontra-se perfeitamente delimitado, balizando-se a possível decisão do mesmo dentro de apertados limites: a moldura penal abstrata aplicável ao crime imputado, a proibição da refor- matio in pejus e o pedido do recorrente. Nestes casos, existe uma efetiva reapreciação do segmento da decisão condenatória relativo às consequências do crime, cujos termos, âmbito e consequências, são perfeitamente antecipáveis pelo arguido. O objeto do recurso e os assinalados limites intrínsecos e extrínsecos à decisão a tomar pelo tribunal superior no julgamento daquele, permitem concluir que a faculdade de responder ao recurso, prevista no artigo 413.º do Código de Processo Penal, assegura um efetivo exercício do direito de defesa, permitindo ao arguido expor perante o tribunal superior os motivos – de facto ou de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa, em termos idóneos a
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