TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
133 acórdão n.º 104/20 Desta forma, o juízo de inconstitucionalidade então alcançado ficou restrito à redação dada à alínea e) do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal pela Lei n.º 48/2007, de 29 de agosto, na medida em que a Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro, veio conferir a atual redação a esse preceito, prevendo agora precisamente a irrecor- ribilidade dos acórdãos das Relações que, em recurso, venham a aplicar pena de prisão não superior a cinco anos. 8. Importa, todavia, notar que o aludido acórdão não deixou de se pronunciar sobre a norma em questão – e que corresponde àquela que constitui objeto do presente recurso –, mas agora na perspetiva da sua conformidade constitucional no confronto com as garantias de defesa em processo penal e o direito ao recurso, nos termos do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa. Escreveu-se no citado Acórdão: “A norma que tem sido aplicada, como razão de decidir, no sentido de que é irrecorrível o acórdão profe- rido pelas relações que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, em recurso de decisão de primeira ins- tância que tenha aplicado pena não privativa da liberdade, já foi apreciada por este Tribunal, que a não julgou inconstitucional face ao disposto nos artigos 20.º, n.º 1, e 32.º, n.º 1, da CRP (Acórdãos n. os 424/09, 419/10 e 589/11, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . O julgamento de não inconstitucionalidade funda-se no entendimento de que o acórdão da Relação consubstancia a garantia do duplo grau de jurisdição, tendo em conta que perante ela o arguido tem a possibilidade de expor a sua defesa, entroncando os fundamentos do direito ao recurso verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição. Ou seja, o direito ao recurso constitucionalmente consagrado satisfaz-se, atento o seu âmbito de proteção, com a garantia de um duplo grau de jurisdição. Com efeito, este Tribunal tem vindo a entender, de forma reiterada, que não é constitucionalmente imposto o duplo grau de recurso em processo penal, sustentando-se que “mesmo quanto às decisões condenatórias, não tem que estar necessariamente assegurado um triplo grau de jurisdição”, existindo, consequentemente, “alguma liberdade de conformação do legislador na limitação dos graus de recurso” (cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 189/01 e, entre outros, Acórdãos n. os 178/88, 189/01, 640/04 e 645/09, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ) . Entendendo, também, que, muito embora se aceite que o legislador possa fixar um limite acima do qual não é admissível um terceiro grau de jurisdição, preciso é que “com tal limitação se não atinja o núcleo essencial das garantias de defesa do arguido”, devendo a limitação dos graus de recurso ter “um fundamento razoável, não arbitrário ou desproporcionado”. Porquanto a garantia constitucional do direito ao recurso não se esgota naquela dimensão. Esta garantia, “conjugada com outros parâmetros constitucionais, pressupõe, igualmente, que na sua regulação o legislador não adote soluções arbitrárias e desproporcionadas, limitativas das possibilidades de recorrer – mesmo quando se trate de recursos apenas legalmente previstos e não constitucionalmente obrigatórios” (Acórdãos n. os 189/01 e 628/05. E, ainda, Acórdão n.º 64/206, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt ).” 9. Trata-se de fundamentação que aqui importa reiterar, por ser inteiramente aplicável à questão de constitu- cionalidade posta no presente recurso e por constituir orientação sedimentada da jurisprudência deste Tribunal, justificando-se a prolação da presente decisão, nos termos do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC. 10. Em qualquer caso, sumariamente se dirá que não procede a argumentação apresentada pelo recorrente, segundo a qual a decisão tomada em recurso pela Relação, que determinou a não suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido pelo Tribunal de 1.ª instância, é uma decisão surpresa, impossibilitadora ou pelo menos grave- mente compressora do direito de defesa, o qual não pode ser cabalmente exercido na resposta ao recurso interposto pelo Ministério Público. Improcede, em primeiro lugar, porquanto uma decisão do Tribunal da Relação que aplique pena de prisão não superior a 5 anos, em recurso de decisão de primeira instância que tenha aplicado pena não privativa da liberdade, designadamente pena de prisão suspensa na sua execução, não pode ser considerada uma decisão surpresa, no sen- tido de o recorrido com ela não poder fundadamente contar. Com efeito, uma tal decisão corresponde diretamente ao provimento do recurso interposto pelo Ministério Público e/ou pelo Assistente e que teria, necessariamente,
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