TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

122 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 83.ª E não basta a invocação, ou sequer a própria demonstração, de um fim público legítimo para logo justi- ficar todos os meios alegadamente destinados a alcançá-los, já que o que caracteriza na sua essência um Estado de direito é precisamente que “os fins (mesmo os mais legítimos) não justificam (todos) os meios” ! 84.ª Argumentar com a suposta finalidade da contribuição para o saneamento financeiro e consolidação das empresas públicas e da não menos suposta adequação de uma medida que, ao mesmo tempo que cobra menos 220 milhões de euros aos titulares dos rendimentos do capital, confisca a trabalhadores reformados do Metro de Lisboa, com pensões da ordem apenas das centenas ou, quando muito, de um milhar de euros mensais, uma parcela de 40%, 50% ou 60% desse valor, para assim conseguir obter o valor, no máximo, de 13,5 milhões de euros, não tem o menor vislumbre de fundamento. 85.ª A teoria de que a fixação, por contratação colectiva, de complementos de prestação de reforma não teria um suporte jurídico-constitucional, por se tratar de meros “benefícios” e, logo, estes não fazerem parte do núcleo duro do direito de contratação colectiva, não integrando o seu conteúdo essencial, também não tem qualquer fundamento, quer na letra, quer na ratio da Lei Fundamental. 86.ª Quanto a direitos que têm natureza obrigacional privada, não se integrando por isso no sistema de segu- rança social pública, é que precisamente faz sentido que eles façam, ou possam fazer, parte do âmbito da própria contratação colectiva, mais ainda quando eles foram livre, expressa e formalmente negociados no momento tem- poral e nos estrictos condicionalismos e pressupostos em que aqui o foram. 87.ª Pretender que, por a Ré se tratar de uma Empresa do Sector Público Empresarial, o mesmo Estado pode- ria legitimamente determinar, por via legislativa ou outra qualquer, que a regra do pacta sunt servandal poderia ser livremente afastada porque os AA. teriam sido suficientemente tolos para acederem a celebrar com a R. o seu contrato de trabalho, o seu acordo de pré-reforma ou a sua ida para a reforma, já que deveriam saber que a tutela em qualquer momento poderia mandar cessar o pagamento do complemento que fora requisito essencial para a formação dessa sua vontade de contratar, representa uma violação, gravíssima, do princípio da protecção da con- fiança, inferível do art. 2.º da CRP, 88.ª Mas também um absurdo tão monstruoso que os valores e os princípios vigentes, e não suspensos, na nossa Ordem Jurídica, bem como a sensibilidade jurídica e o sistema de Justiça dominantes na nossa Sociedade, claramente repudiam e impedem. 89.ª Nestes termos, sendo patente a múltipla inconstitucionalidade e contraditoriedade com os preceitos supra nacionais acima citados do art. 75.º da LOE-2014 e, logo, não podendo vigorar na Ordem Jurídica Portuguesa, deve a declaração de tal inconstitucionalidade ser reafirmada, com a confirmação do Acórdão recorrido e todas as demais consequências jurídicas. Termos em que, Devem os recursos do M.º P.º e da R. ser julgados improcedentes e, consequentemente, deve o Acórdão recor- rido ser integralmente confirmado e serem declaradas as inconstitucionalidades oportunamente arguidas pelos AA., pois só assim se fará inteira Justiça!». Cumpre apreciar e decidir. II – Fundamentação A. Delimitação da questão de constitucionalidade 5. O presente recurso vem interposto ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, segundo a qual cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma, com fundamento em inconstitucionalidade.

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