TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
119 acórdão n.º 60/20 Lei Fundamental, em particular pela ausência de necessidade, de adequação e de proporcionalidade de tal medida, e enfim do princípio da igualdade, consagrado no art. 13.º da mesma CRP ! Deste modo, 47.ª A referida cessação pela R. do pagamento aos AA. dos complementos de reforma a que eles têm legítimo direito consubstancia uma conduta ilícita, que faz incorrer a Empresa ré na obrigação de a fazer de imediato cessar e ainda na obrigação de indemnização de todos os danos materiais e morais dela decorrentes! 48.ª Por outro lado, afigura-se de igual modo evidente a desconformidade do art. 75.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12, também com os princípios e objectivos plasmados nos Tratados e Convenções Internacionais acima mencionados. Com efeito, 49.ª Não há dúvida de que a Lei do Orçamento de Estado para 2014, tal como as para 2011, 2012 e 2013, implementaram medidas económicas e financeiras no quadro do Direito da União acima mencionado, denomi- nado pelo TJUE, como quadro regulamentar para o reforço da governança económica da União e são suscetíveis de lesar direitos fundamentais previstos na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. 50.ª Não está em causa uma questão de remuneração ou do sector público stricto sensu mas sim o saber se a legislação interna em causa, ao implementar e concretizar direito da União, viola ou não o princípio da igualdade e a proibição de discriminação (art. 2.º do Tratado e art. os 20.º e 21.º da CDFUE), basilares da construção da União, as condições de trabalho dignas (art. 31.º, n.º 1 da CDFUE), que têm na sua base o valor fundamental do respeito pela dignidade humana e a negociação coletiva, desrespeitando o conteúdo essencial desses direitos fundamentais. 51.ª A jurisprudência do Tribunal Constitucional tem aplicado – e agora de forma óbvia para as subvenções vitalícias dos políticos no Acórdão n.º 3/16 – o mecanismo da ponderação de interesses, considerando legítima a restrição do princípio da igualdade por estar em causa o interesse público de consolidação orçamental a que o Estado se encontra vinculado, até por imperativos da União Europeia, mas esqueceu-se de analisar essa igualdade não apenas entre os que trabalham (ou já trabalharam uma vida inteira) num ou noutro sector, mas entre todos esses cidadãos e os outros que não trabalham, nem trabalharam, mas são titulares de rendimentos do capital. 52.ª Importará, por outro lado, analisar e verificar se, efectivamente, a redução prevista nas Leis do Orçamento de Estado e desde logo na Lei OE 2014 e no seu art. 75.º, consubstancia tão-só uma questão puramente “interna”, ou se, ao invés, o direito da União Europeia não esteve (e não continua a estar directamente conexionado com esta linha estratégica de actuação do Estado. Ora, 53.ª Se restasse alguma dúvida de que o Estado aplicou o direito da União através da redução das despesas com o pessoal inserida nas Leis do Orçamento de Estado desde 2011, as justificações apresentadas pelo Governo Português a este respeito, em conformidade, aliás, com o quadro normativo supra descrito, clarificam, de forma definitiva, essa questão. 54.ª A “margem de manobra” que o Estado-Membro dispõe para concretizar as orientações de política orça- mental consignadas no Memorando de Entendimento de todo não o desvincula da obrigação de salvaguardar os direitos fundamentais plasmados na CDFUE ! 55.ª Os tribunais nacionais, e desde logo os Tribunais do Trabalho portugueses, o Tribunal da Relação de Lis- boa e este Tribunal Constitucional, enquanto tribunais comuns da União Europeia, estão obrigados a averiguar da correcta interpretação e aplicação da CDFUE quando esteia em causa o Direito da União Europeia, e o legislador nacional também se encontra estritamente vinculado ao respeito pelos ditames da mesma CDFUE. 56.ª O direito a condições de trabalho dignas previsto no referido art. 31.º, nº 1 da Carta dos Direitos Fun- damentais da U.E., num sentido amplo e interpretado à luz do princípio, essencial e basilar da dignidade do trabalhador, dos direitos fundamentais consagrados na Carta Social Europeia e do art. 59.º, nº 1, al. a) da CRP, corresponde ainda ao direito a uma remuneração justa no activo e a uma prestação de reforma que assegure aos trabalhadores e respectiva família um nível de vida satisfatório, o que necessariamente implica a proibição absoluta da diminuição do respectivo meio de subsistência, sem o acordo do trabalhador, sobretudo no caso de o respectivo contrato, individual ou colectivo, se manter inalterado. 57.ª A suspensão ou cessação do pagamento dos complementos de reforma desrespeita também o direito pre- visto no art. 31.º, n.º 1 da Carta dos Direitos Fundamentais da U.E., por não ser de todo previsível nem expectável pelos trabalhadores, os quais não podiam contar com um corte desse complemento, representando diminuições
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