TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020
118 TRIBUNAL CONSTITUCIONAL 35.ª A consagração constitucional do direito à contratação colectiva só é substancialmente respeitada se se respeitar a reserva de convenção colectiva, e esta mesma reserva integra e abrange também o objecto da própria contratação colectiva, significando isso que está vedado ao legislador ordinário imiscuir-se e alterar o “núcleo duro” de matérias que constituem tal objecto. 36.ª Os beneficiários do referido complemento de reforma – como os AA. – condicionaram decisões relevantes da sua vida ao direito ou, pelo menos, à legítima expectativa de receberem os complementos de pensões de reforma que lhes estavam garantidos ou, pelo menos, e tal como o TC consagrou no posterior Acórdão n.º 3/16, de 13 de janeiro, de que tinham a crença legítima e digna de protecção constitucional de que qualquer alteração legislativa, a ter lugar, manteria uma configuração dos referidos complementos de reforma consentânea com a sua finalidade e a sua natureza originais. 37.ª Ora, tal consubstancia uma grave e totalmente infundamentada violação do princípio da protecção da confiança, enquanto decorrência do Estado de direito, consagrado, como é sabido, no art. 2.º da CRP, tal como o mesmo TC, no supracitado Acórdão, consignou relativamente às subvenções vitalícias dos políticos. Ademais, 38.ª Esta medida lançou na fome e na miséria os AA., retirando-lhes nalguns casos mais de metade do que passou a ser, para mais em plena época de crise, a sua única fonte de subsistência, atirando, só na Empresa ré, uns milhares de pessoas para uma situação de enorme carência e gravidade económico-financeira, 39.ª Enquanto o “benefício” (ou seja, a “poupança”) alegadamente alcançada com tal medida – aplicável a todas as empresas do Sector Empresarial do Estado e de forma muito particular a duas, o Metro de Lisboa e outra – ascende afinal a 11,3 ou, no máximo, 13 milhões de euros, ou seja, a qualquer coisa como 0,007% ou 0,008% do PIB (!?) ! 40.ª Tudo isto bem mostra o completo desequilíbrio entre o pretenso benefício colectivo que resultaria da medida em causa e as graves desvantagens e prejuízos para os cidadãos afectados, com nova e violenta, desnecessária e totalmente desadequada violação do basilar princípio da proporcionalidade! 41.ª Não é de todo compaginável com os princípios do Estado de direito exigir-se que o trabalhador de uma empresa do Sector Empresarial do Estado tenha de prever e de ter em conta que o acordo que ele (ou o respec- tivo Sindicato) celebrou de boa fé com a administração da respectiva entidade empregadora possa afinal não ser cumprido, por o Estado, em cujo Sector Empresarial tal empresa se insere e que a tutela, assim o poder a todo o momento decidir e determinar!? 42.ª A conformidade constitucional das várias soluções legislativas deve ser aferida por confronto com os pre- ceitos e princípios constitucionais, e não em função da maior ou menor eficiência da solução normativa em causa para conseguir atingir, ou não, estes ou aqueles objectivos de natureza económico-financeira. 43.ª E estas questões são tanto mais relevantes quanto outras medidas de todo não foram, todavia, adoptadas pela referida entidade pública “mãe” (o Estado), designadamente quanto a modificações unilaterais com redução ou até eliminação forçada das contra-prestações do Estado nos contratos de “ swaps ”, nas chamadas “parcerias público-privadas” ou até no âmbito das chamadas “rendas excessivas” no sector dos combustíveis e de energia ! 44.ª A “solução legal” que resulta desta vertente normativa do art. 75.º da Lei OE-2014 consubstancia assim um evidente tratamento dos titulares de rendimentos como os de complementos de pensões (como é o caso dos AA.) de forma radicalmente diversa, completa, e totalmente infundamentada, da adoptada relativamente aos titu- lares de outras fontes de rendimentos, maxime os de capital, 45.ª Impondo-lhes deste modo uma marcada e mesmo gritante diferença de tratamento em absoluto infun- dada, desadequada, desproporcionada e desnecessária, ou seja, uma autêntica discriminação dos titulares deste tipo de rendimentos relativamente aos restantes cidadãos, o que consubstancia, manifestamente e também por esta via, uma nova e incontornável inconstitucionalidade material do referido art. 75.º da LOE-2014, agora por violação do princípio da igualdade consagrado no art. 13.º da CRP. 46.ª A norma da Lei OE-2014 (o seu art. 75.º), interpretada e aplicada como o foi pela mesma Empresa ré como fundamento para a cessação do pagamento, revela-se multiplamente inconstitucional, também por violação designadamente do direito à contratação colectiva, consagrada no art. 56.º, n.º 3 da CRP, bem como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, ínsito na ideia do Estado de Direito consagrado no art. 2.º da
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