TRIBUNAL CONSTITUCIONAL Acórdãos 107.º Volume \ 2020

117 acórdão n.º 60/20 19.ª A retribuição e o complemento de uma pensão de reforma não podem nem devem ser encarados como mero “custo económico” pois estão estritamente ligados a uma existência condigna do trabalhador e da respectiva família. 20.ª A diminuição da retribuição e o corte dos complementos, ao colocarem em risco a subsistência dos traba- lhadores e o seu núcleo familiar, afectam o princípio de dignidade humana, utilizado como critério interpretativo das normas constitucionais e como revelador de direitos fundamentais não escritos, 21.ª Impedindo que o seu quantum seja reduzido, de forma inesperada e para mais drástica, sem o acordo das partes. 22.ª O corte dos referidos complementos, por ter sido apenas imposto aos trabalhadores de empresas do sector público empresarial, consubstancia ainda uma violação flagrante do princípio da igualdade e da proibição de dis- criminação em razão do vínculo laboral. Assim, 23.ª A aplicação do art. 75.º da Lei 83-C/2013, de 31/12 não só pode como deve ser recusada pelos Tribunais portugueses ao abrigo do art. 204.º da CRP. 24.ª O facto de o Tribunal Constitucional ter decidido num determinado sentido em sede de fiscalização suces- siva abstracta não impede nem inibe processualmente que possam ser accionados, por cidadãos individualmente considerados, os mecanismos de fiscalização sucessiva concreta, inexistindo aqui qualquer pretenso efeito de caso julgado. 25.ª Acresce que as inconstitucionalidades imputadas pelos aqui AA. vão bem para além das que foram susci- tadas pelos requerentes da fiscalização sucessiva abstracta, 26.ª Sendo que, como é óbvio, relativamente a essas outras o referido Acórdão do Tribunal Constitucional não apreciou nem decidiu coisa nenhuma, 27.ª E, muito em particular, a questão da patente violação do princípio da igualdade de uma norma, bem como do conjunto de normas em que ela se insere no âmbito de um dado diploma legal, que faz recair o essencial do peso das chamadas “medidas de austeridade” sobre cidadãos que trabalham ou que, como os AA., trabalharam uma vida inteira por conta de outrem, por contraposição com a “brandura” das medidas fiscais incidentes sobre os rendimentos do capital. 28.ª De todo não corresponde à verdade o argumento e pressuposto daquele Acórdão do TC constante, e que é o de que o Estado não teria exercido, relativamente à Empresa ré, “influência dominante”. Com efeito, 29.ª Essa “teoria” de que o Estado não exerceria influência dominante na Empresa ré não tem qualquer suporte fáctico e está mesmo em completa contradição com aquilo que ela, Empresa, e os diversos órgãos do Estado foram, ao longo dos tempos, apurando, declarando, assumindo e dando por assente! Por outro lado, 30.ª Aquela já citada norma do art. 75.º da LOE-2014, interpretada e aplicada como o fez a decisão recorrida, o que determina é suspender/cessar o pagamento de complemento de pensões que estava previsto em IRCT’s, ou seja, o que faz é não apenas suspender unilateralmente disposições contratuais livremente acordadas pelas partes de uma dada convenção colectiva, 31.ª Como também, para não dizer sobretudo, impedir, para futuro, e em função de uma condição totalmente dependente da vontade e da actuação do Governo e de verificação não apenas totalmente incerta como a ocorrer, ou não, num período temporal absolutamente indeterminado, o estabelecimento de quaisquer derrogações à refe- rida regra da chamada “suspensão” (verdadeira “cessação”) do pagamento do complemento. 32.ª Mas o que o dito art. 75.º da LOE, assim interpretado e aplicado, afinal faz é cessar a eficácia das situações jurídicas já perfeita e previamente estabelecidas por convenção colectiva de trabalho vigente, 33.ª Pondo em causa esta em si mesma, e violando assim também o art. 56.º, n.º 3 da CRP, o qual garante – e de forma directa e imediata, e não derivada da lei ordinária – o direito à contratação colectiva, e com um mínimo de conteúdo útil (ou “conteúdo essencial”). 34.ª A tutela que a convenção colectiva de trabalho necessariamente pressupõe – e que a referida garantia constitucional impõe – impede assim que o legislador ordinário lese, e para mais de forma tão marcante e decisiva (corte puro e simples) como aqui o fez, os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho já anteriormente celebrados e em pleno vigor à data da entrada em vigor da lei,

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